Há caminhos que são descaminhos
Bárbaros trajetos com sabor de aço
Histórias escritas em pergaminhos
Capítulos eternizados no cangaço
(João
de Sousa Lima)
Amanhecer do dia 28 de julho de 1938, manhã
nublada e fria. No coito da Grota do Angico, alguns cangaceiros dormiam e
outros agiam na lentidão da fadiga e envolvidos pela friagem da neblina gerada
pelo mês chuvoso.
Os policiais volantes
comandados pelo tenente João Bezerra e seus imediatos, o aspirante Francisco
Ferreira de Mello e o sargento Aniceto Rodrigues armavam o cerco final ao Lampião
e Maria Bonita, Rainha do Cangaço e mais alguns companheiros que também tombaram
naquela manhã, em um total de 11 cangaceiros. No confronto a polícia sofreu uma
só baixa, perecendo o irmão de armas, o soldado Adrião Pedro de Souza.
Doze pessoas totalizaram as
mortes daquele dia e que por tantos anos se busca subsídios para análises e
entendimentos dos fatos que permanecem cercados de tantos mistérios.
Era o fim de uma página da
história do banditismo rural Nordestino. Era o fim do cangaceiro de maior destaque
dentro deste contexto histórico. Era o fim de um capítulo onde a mulher teve
grande referência enquanto estilo de vida diferenciada das vidas de tantas
sertanejas que viviam nas escondidas veredas dos sopés de serras das caatingas
bravias.
Pode-se dizer que Maria Gomes de Oliveira,
a Maria Bonita, Rainha do Cangaço, rompeu parâmetros na sociedade e se fez
diferente. Dentre tantas mulheres Lampião escolheu uma baiana da Malhada da
Caiçara, povoado pertencente a Santo Antônio da Glória do Curral dos Bois e que
desde 28 de julho de 1958, pertence a Paulo Afonso.
Maria Bonita foi eternizada
por tantos artistas populares do Brasil e uma dessas referências artísticas foi
através da arte do poeta repentista Otacílio Batista como “A Morena da Terra do
Condor”, em música gravada por Amelinha e também Zé Ramalho, em alusão aos
poemas do conterrâneo poeta baiano Castro Alves, o Poeta dos Escravos, que
inseria suas poesias em defesa da diferenças sociais, seguindo a corrente
literária do “Condoreirismo”, que defendia os direitos dos oprimidos. Poema
marcante dessa linha quando escreveu “Espumas Flutuantes”. Outra vertente que
ele seguiu foi a do Romantismo-Lírico-Amoroso, também defendendo em versos os
direitos do Povo:
O cangaço enquanto fenômeno social ganhou
ênfase através dos diversos artistas populares que divulgavam as infinitas peripécias
vividas nesse período.
A
expansão dos fatos se deu através das cantorias dos repentistas, dos folhetos
dos cordelistas, dos xilogravuristas, músicos, grupos de danças, artistas
circenses e outros segmentos.
Foram
formas distintas de propagação dos fatos históricos e esse alastramento
aconteceu justamente onde a concentração do povo era mais frequente: nas
diversas feiras, latadas, circos e ruas.
A
mídia mais simples se encarregou de colocar no imaginário popular as façanhas vividas
no cangaço, episódios decorridos nas mais ermas matarias catingueiras,
transformando e mitificando os grupos e subgrupos de cangaceiros,
principalmente as mulheres que a esse mundo diferenciado se lançaram, muitas
delas, quase inocentes meninas, para viverem tantas e perigosas aventuras, à
margem da lei.
Maria
Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, em referência ao apelido de sua mãe, Dona
Déa, de nome batismal Maria Joaquina Conceição Oliveira, foi sem sombras de
dúvidas, por ser a companheira do chefe supremo do cangaço, o famoso Lampião, a
mais famosa mulher cangaceira. No cangaço ela foi a Maria do Capitão ou a dona
Maria. Ficou imortalizada como Maria Bonita, apelido esse oriundo dos versos
cantados e rimados pelos policiais volantes, que vivam nas inacabáveis persigas
das diferentes veredas com seus combates ferrenhos e quase diários.
Maria
Bonita foi a mais expressiva cangaceira. Tivemos outras de renome como no caso
de Dadá de Corisco, Lídia de Zé Baiano, Nenê de Luis Pedro, Inacinha de Gato,
Durvinha de Virgínio e Moreno, Mariquinha de Ângelo Roque, Catarina de
Nevoeiro, Aristéia de Catingueira, Otília de Mariano, Maria de Pancada, Dulce
de Criança, Moça de Cirilo de Engrácia.
Várias
outras mulheres passaram por esse mundo tão conturbado e de futuro duvidoso.
Muitas delas perderam suas vidas nos combates, outras foram assassinadas por
seus próprios companheiros. Sofreram perseguições, foram baleadas, feridas,
humilhadas, mal amadas, maltratadas. Outras viveram seus amores, tiveram
filhos, foram mães sem o direito de ser mãe no sentido mais figurado e sublime
da palavra mãe. Dentre todas as dores das mulheres a maior foi ser mãe e não
exercer a função de cuidar de sua prole, não poder zelar de seus pequenos, ver
secar no seio o leite materno destinado a alimentar seus inocentes.
À
mulher ficou resguardado somente o direito de seguir seus homens, seus grupos,
fugindo das duradouras perseguições dos rastejadores contratados dos grupos policiais.
No dizer sertanejo: “Uma vida sem futuro”.
Mas
as mulheres não puderam fugir a esse capitulo da nossa historiografia
sertaneja, se bem que levou tempo para acontecer a entrada feminina nessa
conjuntura.
Perguntamo-nos
às vezes o que levou as mulheres a encarar uma forma de vida tão violenta e
longe das perspectivas geradas pelas famílias com seus conceitos, educação
traçada dentro das normas rígidas das religiões e das tradições de um Nordeste desassistido.
Algumas
me confidenciaram que seguiram esse caminho por amor, umas poucas segredaram que
foram forçadas, por motivos diferentes, uma só falou que foi porque achou
bonito o “TRAJAR” dos cangaceiros, se embelezou pela profusão de cores nos
bordados e a grande quantidade do metal nobre amarelado, correntes, anéis,
alianças, moedas e brincos de ouro.
Dentre
todas elas, sem exceções, em seus depoimentos, a pior coisa foi não poder
cuidar dos filhos. Suas crianças eram todas deixadas aos cuidados dos padres,
coronéis, coiteiros e amigos.
As
Mulheres viveram no cangaço uma aventura sem precedentes e deixaram seus nomes
registrados na página da história dos levantes do Nordeste do Brasil.
Foi
Maria Gomes de Oliveira, a famosa cangaceira Maria Bonita, morena nascida no
povoado Malhada da Caiçara, terras na época do cangaço pertencentes a Santo
Antônio da Glória e hoje à Paulo Afonso, a mulher mais referenciada no contexto
histórico do mundo feminino cangaceiro.
A
data de nascimento de Maria Bonita se divide entre 1910 e 1911, registrado por
vários pesquisadores em tantos livros, pondo em dúvida também o dia 08 de março.
A verdade é que ela encontrou a morte ainda muito jovem, morrendo na trágica
manhã do dia 28 de julho de 1938, na Grota do Angico, em Poço Redondo, Sergipe,
com sua idade variando entre 27 ou 28 anos de vida.
Quantas
e tantas mulheres viveram esse capitulo para, inocentemente, escreverem suas
próprias histórias. Histórias de amores roubados e permitidos, histórias de
lutas e fugas, de tiros e mortes, de caminhadas incessantes e dormidas
incertas, de filhos gerados na rispidez das matas pontiagudas e ferinas.
Histórias de servidão e desilusão.
Muitas
delas adentraram no movimento, no esplendor de suas inocências de
meninas-moças, trajando as vestes das “Mulheres das Caatingas”, levadas,
talvez, pela ilusão de uma vida melhorou no mínimo, uma vida diferenciada das
que vivam nos sopés das serras de suas moradas.
Ao
período destinou-se o estigma de andarilhos errantes, acobertados apenas pela
razão de suas decisões individuais. Sem entendimento adequado do andar “À
MARGEM DA LEI”. Donas de seus mundos imaginários, pequenos e próprios.
A
mulher cangaceira marcou seu tempo, escreveu sua história, traçou seu perfil de
mulher obstinada e diferenciada das mulheres de sua época. Todas elas deixaram
por insignificante que possa parecer, seus rastros marcados eternamente nas
infindas veredas circundadas de pedras e espinhos do Sertão Nordestino.
À
frente de seu tempo, a mulher cangaceira deixou vestígios no registro da
história do Brasil.
Tempo
presente, agora em 2018, marca 80 anos da Morte de Lampião e Maria Bonita,
tantas e quantas análises surgiram sobre o fatídico dia 28 de julho de 1938,
inúmeros registros, apreciações diversas, umas abalizadas e outras desprovidas
dos critérios sérios que a história merece.
Nas
fendas pedregosas da Grota do Angico, fato certo, que a morte lacerou doze
corpos, onze cangaceiros e um soldado encontraram seu dia final. Entre os
cadáveres duas mulheres, duas almas femininas adornando o quadro funesto dos
últimos momentos do Rei do Cangaço.
Entorpecida, a Grota do Angico perpetua
seus mistérios e um grito feminino paira no ar, como último refúgio de dor, na
etapa final do cangaço...
João
de Sousa Lima
Paulo
Afonso 06 de junho de 2018
Membro
da ALPA – Academia de Letras de Paulo Afonso - Cadeira 06.
Membro
da SBEC- Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
Membro
do GECC – Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará
Membro
do IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso
Membro
do Instituto Geográfico e Histórico do Pajeú.
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