quinta-feira, 17 de outubro de 2019

MANUEL NOVINHO: AS HISTÓRIAS DO CANGAÇO COMO LEMBRANÇAS MARCANTES EM SUA VIDA


    MANUEL “NOVINHO”
AS HISTÓRIAS DO CANGAÇO COMO LEMBRANÇAS MARCANTES EM SUA VIDA.

    
      Manuel Araújo Lima, “Seu Novinho”, nascido em 13 de dezembro de 1926, é mais um dos sertanejos nascidos às margens do Riacho do Navio, em Conceição, hoje pertencente a cidade de Flores, Pernambuco. 
Toda essa ribeira Pernambucana foi sempre passagem de cangaceiros. O pai de Seu Novinho era o senhor Luiz Gonçalves de Lima, apelidado por “Luiz Maroca”, que foi em sua infância e juventude, grande amigo do cidadão Félix, que viria a ser o famoso cangaceiro Félix da Mata Redonda.
      Maroca era casado com Amélia.
    Certa vez apareceu Lampião na casa de Maroca. O cangaceiro vinha com mais de vinte componentes em seu grupo, entre eles seus irmãos Antônio e Livino. Em frente à casa de Maroca, quando Lampião o avistou, já trazendo informação quem era o dono daquele roçado, perguntou:
- É aqui a casa de Manuel Araújo?
-  É sim, tá falando com ele!
    Nesse momento o cangaceiro Félix da Mata Redonda olhou e disse:
Que Manuel Araújo que nada, ai é meu amigo Luiz Maroca, assim eu não ia nunca saber que era você. Os dois se abraçaram. Luiz indagou a Félix:
- Mais Félix que vida miserável é essa?
- Essa é que é a vida do homem, respondeu Félix!
Os cangaceiros foram se achegando e Lampião perguntou:
- Luiz tem ai um boi pra nós?
- Tenho sim!
- Então mate um hoje a noite que amanhã eu trago alguém pra tratar e te pagar!
Os cangaceiros foram procurar um local para se arranchar e Luiz passou a noite temendo a chegada da polícia. Alta madrugada, Luiz, sem conseguir dormir, foi matar o boi e ele mesmo retalhou o animal e cozinhou uma parte. Ao amanhecer Lampião retornou com seu grupo e já encontrou uma parte do animal pronto para comer.
Lampião pagou o boi e levaram para servir de alimento durante o trajeto, no caminho que estavam viajando.

     Tempos depois, Lampião, mais uma vez apareceu na casa de Maroca e nesse dia encontrou a esposa Amélia sozinha, a mulher não pôde esconder o medo. Lampião a mandou se tranquilizar, dizendo que ninguém faria nada de mal contra ela e seus filhos. Nesse dia Lampião estava montado em um cavalo que era de Teodório, tio de Amélia. Pouco tempo depois Maroca chegou em casa e foi conversar com Lampião. O cangaceiro perguntou:
- Maroca você tem ai uma coalhada pra dar a esse meu povo?
- Tenho sim!
A coalhada foi servida. Depois os cangaceiros entraram no roçado de milho e vieram com várias espigas que assaram e comeram. Passaram a noite farreando e um cangaceiro tocando vialejo (realejo ou gaita de boca).
Quando o dia amanheceu o cangaceiro Antônio, irmão de Lampião, perguntou se Maroca teria uma rede pra emprestar a ele e Maroca foi buscar e quando a entregou ao cangaceiro, Antônio falou:
- Arme a rede Maroca!
- Armo nada, pois se ela cair você vai se queixar de mim!
Antônio riu e foi armar a rede. Os cangaceiros descansaram e depois seguiram rumo ignorado.
   Dias depois Lampião apareceu outra vez na roça de Maroca e aproveitando a oportunidade, o sertanejo foi conversar com o cangaceiro. Nessa conversa, Maroca aproveitou da amizade com o afamado chefe de grupo e pediu:
- Lampião eu tenho um cunhado chamado Aristides e ele tem uma desavença com seu tio Zé Paulo e eu gostaria que o senhor não fizesse mal nenhum a ele!
- Deixa de besteira Maroca que briga de vaqueiro se acaba no mato!
A palavra dada era honra empenhada. Aristides nunca sofreu nenhum mal por nenhum cangaceiro.
    Nas imediações das terras de Maroca existiam mais dois coiteiros que davam segurança a Lampião, o Galdino Leite e Dorotheu do Ingá. Em uma das passagens de Lampião, ele mandou Galdino ir às fazendas de Manuel Rodrigues e Neco Pinto buscar dinheiro e assim ele fez. Dias depois a polícia passou na casa de Galdino e o espancou durante horas.
     O grupo de Lampião mais uma vez pisou o terreiro de Maroca e dessa vez só estava em casa Leopoldina, que trabalhava na residência e era meio amalucada. A mulher correu e deixou a casa abandonada. Os cangaceiros Chá Preto e Zé de Delfina foram vasculhar os baús. Lampião mandou que os cangaceiros saíssem de dentro do casebre e todos ficaram aguardando o dono chegar a sua morada pra servir alguma coisa para os cangaceiros matarem a fome.
      Maroca recebeu uma missão de Lampião, trazida por seu tio Zé Paulo, que era pra ele ir arrecadar com um fazendeiros locais, uma quantia em dinheiro, pois Lampião estava precisando e esperando. Maroca arrecadou e mandou o valor estipulado por Lampião, entregando o montante a Zé Paulo. O tempo passou e um dos cangaceiros que conhecia bem Maroca, passou em sua casa e disse:
- Maroca Lampião vai te matar, pois você não mandou o dinheiro que ele pediu!
    Maroca passou dias angustiados e se valeu da amizade com Félix da Mata Redonda e pediu pra que ele o levasse com segurança até a presença de Lampião. Félix o levou e quando chegaram  em uma residência onde eles estavam arranchados, Félix foi falar com Lampião e voltou e deu a noticia:
- Ele tá ali dentro escrevendo uma carta e vem já falar com você!
De repente Lampião apareceu na porta, desceu o batente e foi na direção de Maroca.
- É segredo o que você quer falar comigo Maroca?
- É sim!
- Eu mandei o dinheiro que o senhor pediu e soube que o senhor quer me matar!
- Eu não mandei pedir nenhum dinheiro a você! E como vou te matar?
- Foi seu tio Zé Paulo que falou!
- Se preocupe não que vou resolver, pode ficar tranguilo!
- Eu até trouxe outro dinheiro caso o senhor precise!
- Guarde ai com você que está bem guardado!

       Maroca retornou pra casa, pro calor de sua morada, para o amor de Amélia. Morreu já velho, cuidado pelo filho Manuel Novinho.
      Quando criança o Manuel Novinho via em sua casa os cangaceiros, passando em seu terreiro os homens de alpercatas ferradas que deixaram marcas profundas nas areias das caatingas diversas do nordeste.
     Hoje, 17 de outubro de 2019, eu, Flávio Motta, Marta Tavares, Edileusa Pires e Fabiane Guerra, equipe do IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso e Casa da Cultura de Paulo Afonso fomos conversar com Manuel Novinho.
Com seus 93 anos de vida, Manuel Novinho relembra fatos, recorda momentos, conta histórias, encanta quem o ouve. Dele e de seu filho Climério, um amigo de longas datas e um dos mais produtivos agentes culturais da região, ganhei de presente um pequeno punhal que os cangaceiros deixaram em suas terras pernambucanas.
Os fatos marcantes que assinalaram a trajetória de sua família nuca deixaram de povoar suas recordações, nunca fugiram de suas falas.
    História oral de importante valor para a compreensão de um episódio que tão profundamente marcou a história do nosso povo Nordestino.


João de Sousa Lima
Membro do IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso
Membro da SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.



















quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O IGH - INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DE PAULO AFONSO VISITA LOCAL DA QUEDA DO METEORITO DE BENDEGÓ



    VISITANDO  A CRATERA ONDE CAIU O METEORITO DE BENDEGÓ
          
             Por João de Sousa Lima, presidente do IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso, 16 de outubro de 2019,
   

     No dia 15 de outubro de 2019 o IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso, através dos seus diretores João de Sousa Lima, Flávio Motta, Edileusa Pires e Marta Tavares, realizou uma visita técnica-histórica ao local onde caiu o METEORITO DE BENDEGÓ.
A viagem foi uma aventura. Saímos cedo de Paulo Afonso e chegamos em Canudos ainda cedo onde ficamos aguardando um guia que nos levaria até o lugar. Depois de uma hora de espera o guia não apareceu e seguimos a estrada até o “ENTRONCAMENTO”, local hoje chamado Bendegó e batizado pelo Senhor Aras. A verdadeira Bendegó fica há uns 38 km, sendo 30 km de estradas vicinais. Na nova Bendegó paramos em um posto de combustível e conhecemos o senhor Edson “Elson” que se prontificou em nos acompanhar.
Colocamos Elson no carro e seguimos viagem.
Estrada com vários pontos difíceis de locomoção e varias bifurcações, onde só se chega com alguém que realmente conheça a localidade. Já próximo do ponto, o Elson encontrou dois amigos, o Francisco e o Daniel, pai e filho, que vinham em uma motocicleta e depois de um breve diálogo  seguiram na frente do carro nos guiando até o ponto exato da queda do Meteorito.
Com um sol abrasador realizamos a visita e ainda conseguimos colher pequenos fragmentos do Meteorito que permanecem espalhados no local da queda.
    Esse meteorito passou por uma verdadeira aventura até chegar ao Rio de Janeiro e ficar exposto no Museu Nacional. Ele foi um dos poucos sobreviventes do incêndio no Museu Nacional que foi um incêndio de grandes proporções que atingiu a sede do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista no Rio de janeiro na noite de dois de setembro de 2018, destruindo quase a totalidade do acervo histórico e científico construído ao longo de duzentos anos, e que abrangia cerca de vinte milhões de itens catalogados. Além do seu rico acervo, também o edifício histórico que abrigava o Museu, antiga residência Oficial dos Imperadores do Brasil, foi fortemente danificado com rachaduras, desabamento de sua cobertura, além da queda de lajes internas. Um grande prejuízo para a história e memória do Brasil.





MAIS UM POUCO DA HISTÓRIA DO METEORITO DE BENDEGÓ...

    
O Bendegó é um meteorito brasileiro que pesa 5,36 toneladas e está
entre os 15 maiores do mundo,
A história dos meteoritos brasileiros esta diretamente ligada a historia da meteoritica.
Quando o Bendegó foi descoberto em 1784, desconhecia-se a natureza
extraterrestre dos meteoritos. O Bendegó foi um dos primeiros meteoritos reconhecidos
pela ciência com a publicação de uma carta de Mornay (1816) por
Wollaston (1816) e, em seguida, pelo relato de Spix e Martius (1828), sendo na
época o segundo maior meteorito do mundo, perdendo apenas para o argentino Campo del Cielo. Quando foi transportado para o Museu Nacional e colocado em exposição.
Em 1888, era o maior meteorito em exibição em um museu no mundo.
Foi descoberto por um garoto de sobrenome Mota Botelho que, ao campear
o gado, percebeu uma pedra grande, amarronzada por fora e prateada por dentro,
bem diferente das outras da região. Comentou com o pai a sua descoberta
e este informou as autoridades ter encontrado sobre uma elevação próxima
ao rio Vaza Barris, nos sertões de Monte Santo, BA, “uma pedra de tamanho
considerável da qual se presumia conter ouro e prata”. O então governador,
d. Rodrigo Menezes, ficou muito impressionado com a descoberta e no ano
seguinte (1785) encarregou o capitão-mor de Itapicuru, Bernardo Carvalho da
Cunha, de providenciar o seu transporte para a capital Salvador.
O capitão-mor escavou ao redor do meteorito e, auxiliado por 30 homens e
algumas alavancas, conseguiu colocar a pedra sobre uma carreta puxada por 12 juntas de bois. Seu plano era levar o meteorito até o riacho Bendegó e, depois para o rio Vaza Barris ate alcançar o porto de Salvador e de lá seguir de navio até a capital. Assim, partiu vagarosamente sobre um leito de pedra especialmente construído para a passagem da carreta. Tudo corria bem até a descida ao leito do riacho onde, não dispondo de freios, a carreta correu desabaladamente morro abaixo, indo parar com o meteorito no leito do riacho Bendegó, dentro de uma ipueira, a apenas 180 m do ponto de partida. Nunca se soube se algum boi veio a morrer neste atrapalhado empenho.
A façanha foi abandonada e d. Rodrigo levou o fato ao conhecimento do
ministro de Estado de Portugal, enviando-lhe alguns fragmentos do material.
O fracasso, entretanto, veio a favorecer o fato de o meteorito encontrar-se hoje no Brasil, pois, de outra forma, teria ido para Portugal ou teria sido totalmente fundido em busca de metais preciosos. A noticia percorreu o mundo e a misteriosa pedra foi visitada por alguns cientistas viajantes, entre os quais o já citado A. F. Mornay que, em 1810, suspeitando tratar-se de um meteorito, foi a Monte Santo e, com muita dificuldade conseguiu retirar uns poucos fragmentos. Os resultados das análises com algumas observações e que foram publicados por Wollaston (1816).
 Outros visitantes ilustres foram os naturalistas alemães Spix e Martius que em 1820 foram conhecer o meteorito em companhia de seu descobridor Domingos da Mota Botelho,
já adulto naquela época. Encontraram o meteorito abandonado no riacho ainda sobre a carreta e, com muita dificuldade, mesmo depois de atearem fogo a pedra por 24 horas, conseguiram retirar alguns fragmentos do meteorito que foram levados para a Europa, sendo o maior deles doado ao Museu de Munique.
Como a Bela Adormecida, o meteorito permaneceu no leito do rio por
cerca de cem anos, quando em 1883, Orville Derby, do Museu Nacional, contatou o engenheiro da British Rail Road, que construía uma extensão da estrada de ferro de Monte Santo a Salvador, notificando-o que em breve a estrada alcançaria o ponto mais próximo ao meteorito, ou seja, cerca de 100 km de distancia em terrenos montanhosos. Contudo, os custos do transporte estariam bem acima das possibilidades do Museu.
Em 1886, o imperador d. Pedro II tomou conhecimento do fato pela Academia
de Ciências de Paris durante uma visita a França e, assim que chegou ao
Brasil providenciou meios para o transporte do meteorito do sertão da Bahia
para o MN do Rio de Janeiro. O imperador chamou Jose Carlos de Carvalho, um oficial aposentado da Guerra do Paraguai, primo do engenheiro da estrada de ferro inglesa contratado anos antes por Derby, para se informar das possibilidades do transporte. Carvalho procurou apoio da Sociedade Brasileira de Geografia, que tomou todas as providências para que o transporte fosse efetuado. A Sociedade encarregou-se principalmente da parte financeira, conseguida por intermédio de um generoso patrocínio do barão de Guahy, cujo nome de batismo era Joaquim Elysio Pereira Marinho.
Organizou-se, então, uma Comissão do Império para a recuperação do Bendegó, formada por Jose Carlos de Carvalho e pelos engenheiros Vicente de Carvalho Filho e Humberto Saraiva Antunes.
Em 7 de setembro de 1887, quando era comemorado o aniversário da Independência, iniciou-se o trabalho de remoção do meteorito com uma solenidade cívica as margens do riacho Bendegó.
 Ergueu-se no local da queda do meteorito um marco com a inscrição “D. Pedro II” em homenagem ao imperador
 Na ocasião colocou-se dentro de pequena caixa de ferro um exemplar do termo de inauguração do trabalho de remoção e um exemplar do Boletim da Sociedade Brasileira de Geografia, que publicava memorial sobre o meteorito. Infelizmente esse marco comemorativo não durou muito tempo.
No ano seguinte a remoção do meteorito sobreveio a grande seca de 1888 naquela região, e o povo sofrido e supersticioso entendeu que era um castigo do céu por terem permitido a retirada da pedra. O povo revoltado destruiu o marco, não deixando pedra sobre pedra, a procura de outra pedra, segundo eles, “irmâ daquela que os doutores levaram”. Acharam uma caixa de ferro, porém no lugar do “exemplar de inauguração” e do “Boletim”, disseram que havia um papel escrito apenas “Jesus, Maria e Jose”.


      A Comissão do Império escolheu o caminho mais curto para o transporte
do meteorito até a estação férrea de Jacuricy, embora tivesse que transpor a
serra do Acaru e construir grande parte da estrada, pois a existente era muito
estreita e se encontrava em péssimo estado de conservação.
A empreitada teve sucesso devido ao uso de engenhosa carreta projetada
por Jose Carlos de Carvalho. A carreta possuía dois pares de grandes
rodas de madeira para rodar em solo e, na parte interna, rodas metálicas
especialmente calculadas para rodar sobre trilhos de tal modo que, estando
sobre estes últimos, as rodas de madeira não tocassem o chão.

Por vezes, a carreta era puxada por juntas de boi  Já em outras ocasiões, pondo-se em prática as habilidades de um marinheiro, tirava-se proveito do emprego de estralheiras, talhas dobradas, patescas, estropos e de todas as engenhosas disposições de cabos e roldanas de que o homem do mar
sabe servir-se para, com esforços relativamente pequenos, locomover pesos
consideráveis.
Em 25 de novembro a carreta começou a se mover sobre o leito do riacho
de Bendegó. Em 7 de dezembro, tendo se movido apenas 17 km, encontrou
as primeiras dificuldades ao cruzar o rio Tocas. Após dois dias de fortes chuvas
o leito do rio, até então seco, estava molhado e escorregadio, fazendo a
carreta descarrilar e lançar o meteorito para dentro do riacho. Trabalhou-se
por 24 horas ininterruptas e foram acesas fogueiras para que se prosseguisse
viagem no dia seguinte.
A transposição da serra do Acaru, que obrigava a uma subida de rampas de
18% a 20% de declividade, foi bastante árdua. A operação foi executada por cabos conectados ao carretão e amarrados as árvores mais grossas, propositadamente deixadas na estrada aberta, sendo puxados com o auxilio de talhadeiras, talhas e juntas de boi.
 Conta o relatório que já quase no sopé da serra uma árvore cedeu, os aparelhos se arrebentaram e o carretão precipitou-se por uma rampa de 30% de declive aos 22 km de marcha, indo parar, felizmente, no meio da ladeira devido ao meteorito ter saltado na frente do carretão. Se não fosse essa queda providencial, o carretão teria se precipitado numa grota profunda. A marcha foi interrompida sete vezes pela queda do meteorito da carreta e quatro vezes para a substituição de eixos que se partiram.
   
A Comissão ainda enfrentou diversas dificuldades extras, como a construção
de estivados em lagoas, armação de passagens provisórias sobre o rio Jacuricy de 50 m de vão, levantamento de aterros sobre baixadas alagadas e corte de caminhos por entre encostas de morros pedregosos. A Comissão pode orgulhar-se de ter realizado o transporte mais notável já efetuado naquela época no Brasil. O relatório de Carvalho (1888), publicado em português e Frances descreve detalhadamente o transporte do Bendegó, a geografia do local e as dificuldades enfrentadas para o transporte.
Toda a marcha de 113 km pelo sertão demorou 126 dias, avançando em
média cerca de 900 m por dia. Na estação de Jacuricy, assinalando o embarque do Bendegó no trem, ergueu-se outro marco comemorativo que se chamou Barão de Guahy em justa homenagem ao homem que patrocinou a expedição,
A jornada de 363 km ate Salvador se deu por trem onde, na estação, o meteorito foi pesado, verificando-se que tinha 5.360 kg.
O meteorito ficou em exposição nessa cidade por cinco dias e em primeiro de junho de 1888 embarcou no vapor “Arlindo”, seguindo para Recife e, posteriormente, para o Rio de Janeiro onde chegou no dia 15, sendo recebido pela princesa Isabel e entregue ao Arsenal de Marinha.
   
     Nas oficinas do Arsenal de Marinha foi feito corte de uma fatia de 62 kg, da
qual foi tirado um molde. A fatia foi cortada em diversas outras fatias menores
que foram doadas e permutadas com diversos museus do Brasil e do mundo.
Confeccionou-se, também, uma replica do meteorito em madeira, que o governo brasileiro exibiu na Exposição Universal de 1889 em Paris. Lá essa réplica se encontra hoje no Palais de la Decouverte.
Concluídos os trabalhos no Arsenal de Marinha, o meteorito foi transportado
em 27 de novembro de 1888 ao Museu Nacional, na época situado no Campo de Sant’Anna. Com a república o museu se mudou para o antigo Palácio Imperial na Quinta da Boa Vista onde se encontra ate hoje.
O Bendegó tem a forma irregular que lembra uma grande sela com dimensões
de 220 x 145 x 58 cm, semelhante a um asteroide com numerosos furos paralelos sobre a face superior, produzida pela queima ou ablação mais rápida
de inclusões de sulfeto. A parte plana, cortada na frente do meteorito, quando
polida e atacada com acido exibe a estrutura de Widmanstatten com largura de
banda de 1,80 mm, e as analises químicas (Scott et al., 1973) o classificam como um subgrupo raro do qual só existem 12 exemplares.
O nome do descobridor e dado por Mornay (1816) como Bernardino. Já
Carvalho (1888) em seu relatório da o nome Joaquim, que aparece num documento datado de 1815 e assinado pelos principais habitantes do distrito.
Domingos foi quem informou a Spix e Martius (1828) em 1820 que fez a descoberta quando era menino, então Joaquim deveria ser o pai de Domingos. Bernardino.
seria talvez uma incompreensão do nome do capitão-mor Bernardo,
que fez a primeira tentativa de retirar o meteorito.
Quando o Bendegó foi descoberto e mesmo quando o governador da Bahia,
d. Rodrigo Menezes tentou remove-lo sem sucesso, a comunidade cientifica
ainda não aceitava a origem extraterrestre dos meteoritos. Quase na mesma
época, outras massas de ferro foram conhecidas como Campo del Cielo em
1783 na Argentina e Toluca em 1784 no México. Mas a origem extraterrestre
dos meteoritos começou a ser aceita na virada entre os séculos 18 e 19, de
modo que essa era a situação quando o Bendegó foi examinado no lugar de
sua queda por Mornay, Spix e Martius. Quando Orville Derby e d. Pedro II
providenciaram o transporte para o Rio de Janeiro, a aceitação da origem extraterrestre dos meteoritos já estava consolidada.
No entanto, o maior meteorito brasileiro teria sido o Santa Catarina,
descoberto na ilha de São Francisco do Sul, SC, por Manuel Gonçalves da
Roza que, pensando se tratar de uma mina de níquel exportou pelo menos
25 t para a Inglaterra.
Este meteorito ja apresentava na época da descoberta particularidades que o distinguiam dos outros sideritos, como o alto teor de níquel, sendo ate hoje um dos mais ricos nesse material do mundo.