Morre em Paulo Afonso, aos 114 anos, Firmina "Cabocla", coiteira de Lampião.
QUEM FOI CABOCLA?
FIRMINA MARIA DA CONCEIÇÃO,
“CABOCLA”: COITEIRA DE LAMPIÃO AINDA VIVE EM PAULO AFONSO AOS 109 ANOS DE
IDADE.
Conheci
Cabocla em dezembro de 1999, ela foi uma das minhas grandes descobertas para
falar da passagem de Lampião por Paulo Afonso. Pude entender através
de Cabocla os pontos percorridos, os coitos visitados, alguns costumes,
detalhes de cangaceiros, gostos, estratégias e conhecer um pouco da rede de
proteção para a sobrevivência do cangaço no que abrange a região de Paulo
Afonso e o Raso da Catarina.
Firmina Maria
da Conceição nasceu em 1905, no povoado “POÇOS”, uma das fazendas que se
situava às margens do Raso da Catarina e foi incluída por Lampião nos seus
trajetos como rota secreta e segura, favorecendo sua passagem em direção aos povoados
Malhada da Caiçara, São José, Santo Antônio, Várzea, Riacho e todo o estado
Sergipano.
O primeiro filho de
Firmina acabara de nascer no meio daquele mundo inóspito e primitivo, tendo por
testemunha apenas a população resumida de cinco famílias simples. Presente
naquele momento de perpetuação da vida estava o sogro Faustino, dona Clara,
Batista, Maria de Zeca e Zé Antônio. Cabocla completou quinze dias de resguardo
e como de costume acordou cedo e foi fazer a visita matinal na casa da amiga
Clara. O que aquela manhã havia lhe reservado de surpresa a acompanharia pelo
resto da vida. Na sala da residência de dona Clara, Cabocla parou extasiada
diante do que seus olhos contemplaram. Muitas vezes ouvira falar de Lampião,
porém, jamais imaginaria ficar diante daquela figura real. Uma voz que mais
parecia o som de um trovão quebrou o silêncio que se abatera naquele cubículo
abarrotado de cangaceiros:
- Tá
cum medo?
Diante de toda
expectativa a resposta saiu:
- Não!
- Você
sabe cunziar?
- Sei!
Com este pequeno
diálogo começaria uma grande amizade entre Cabocla e Lampião. Neste dia Cabocla
preparou um verdadeiro banquete para os cangaceiros.
Os Poços passaria a
ser um dos principais esconderijos do Rei do Cangaço. Os coitos que cercavam os
Poços e foram utilizados pelos cangaceiros onde permaneciam por dias e dias
arranchados, foram: Saco da Palha, Sítio do Sabino, Malhada Bonita, Quixabeira
e Serrotinho.
No princípio
Cabocla não contou aos pais do encontro que tivera com Lampião.
Como as visitas de
Lampião foram ficando muito frequentes Cabocla teve que pedir ajuda a amiga
Lúcia de Sabino para ajudá-la a cozinhar. Depois Lúcia se encarregou da cozinha
e Cabocla da lavagem das roupas, uma árdua tarefa, tendo em vista que as roupas
eram lavadas na casa dos pais, no povoado São José e eram escondidas por causa
do forte cheiro que ficava, pela quantidade de perfume que os cangaceiros
usavam. Cabocla tinha que adentrar alguns metros no mato temendo ser descoberta
pelas volantes policiais. A lavagem às vezes era feita durante a noite,
tornando a tarefa ainda mais penosa. Sem contar que o sabão era fabricado pela
própria lavadeira em um processo milenar: Cabocla queimava a lenha, pegava a
cinza e molhava, deixando-a de molho por três dias, depois destilava e misturava
com o sebo de boi. A constante fabricação, através da fumaça que se formava,
afetou a visão de Cabocla pro resto da vida.
O Sr. Dionísio, do
povoado São José, era quem fazia o contato entre Lampião e Cabocla. Assim que o
Rei do Cangaço chegava a um dos coitos dos Poços, Cabocla era logo avisada.
Dos Poços uma das
cunhadas de Cabocla, se apaixonou pelo famoso cangaceiro Mariano Laurindo
Granja, um dos homens de confiança de Lampião.
Otília Maria de
Jesus era filha do velho Faustino e resolveu acompanhar seu grande amor
passando a chamar-se Otília de Mariano. Os Poços jamais seriam o mesmo depois
que Otília passou a ser cangaceira, Lampião perdia aí um dos mais famosos
coitos da região de Paulo Afonso.
Agora em fevereiro
de 2014 fiquei surpreso ao saber que Cabocla ainda estava viva aos 109 anos de
idade. Imediatamente lhe fiz uma visita. Por incrível que pareça ela lembrou
minha pessoa.
Encontra-se lúcida,
recordando fatos, lembrando momentos vividos e perpetuados em sua memória,
fatos esses envolvendo as histórias de Lampião e seus diversos grupos de
cangaceiros. Firmina Cabocla é um capitulo vivo desses momentos.
João de Sousa Lima
Historiador e
escritor
Paulo Afonso, 01 outubro de 2019
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