100 anos de Jackson do
Pandeiro: Gilberto Gil, Lenine, Alceu e Herbert celebram o Rei do Ritmo
Entenda o
legado do Rei do Ritmo, artista que mandou o 'Tio Sam pegar no tamborim'
GUILHERME BRYAN PUBLICADO EM
31/08/2019, ÀS 09H00
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Jackson
do Pandeiro, em imagem da capa do livro O Rei do Ritmo, de Fernando Moura e
António Vicente (Foto: Reprodução)
O ano era 1959 e assim cantava José
Gomes Filho, mais conhecido como Jackson do
“Só ponho bebop no meu samba / Quando
o Tio Sam pegar no tamborim / Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba /
Quando ele entender que o samba não é rumba / Aí eu vou misturar Miami com
Copacabana / Chicletes eu misturo com banana / E o meu samba vai ficar assim /
Quero ver a grande confusão / É o samba-rock, meu irmão”.
Um dos grandes nomes da música
popular brasileira, Jackson do Pandeiro nasceu há exatos 100
anos, em um 31 de agosto de 1919. O artista morreu em Brasília em 10 de
julho de 1982, aos 62 anos, como um dos maiores nomes da música popular
brasileiro.
Ele foi um rei. O rei do ritmo.
"Chiclete com
Banana" foi composta por Gordurinha e Almira Castilho, companheira na
vida e no palco de Jackson do Pandeiro, e é um típico exemplo da
vasta obra de um artista que gravou cerca de 435 canções.
“Talvez seja uma das músicas mais emblemáticas
do cancioneiro nacional. Aquela que dialoga com o mundo. Que diz: 'Olha, Tio
Sam, Europa, Ásia, venha quem vier, aprenda a tocar o samba para que a gente
possa também tocar o ritmo de vocês e se dar muito bem'. É uma música que foi
regravada inúmeras vezes”, opina o biógrafo Fernando Moura, autor do
livro Jackson do Pandeiro – O Rei do Ritmo, escrito com Antônio
Vicente, e da biografia em quadrinhos, que leva o nome do artista e é voltada
ao público infanto-juvenil.
“O maior legado de Jackson é a
diversidade de um repertório que é uma verdadeira radiografia da musicalidade
brasileira. Ele não teve preconceito de cor, raça, religião e sexo”, garante
Fernando Moura. E prossegue: “Ele gravou de tudo – cocos, sambas, frevos,
rojões, maracatus, rancheiras –, do sul do país ao norte, nordeste, centro e
centro-oeste. Ele não se restringia àquela coisa estereotipada da seca e do ser
nordestino. Ele foi muito urbano também, o que o deixou conhecido como rei do
ritmo.”
O escritor cita como exemplo as
canções “Nortista Quatrocentão”, parceria do próprio Jackson com Luiz
Wanderley, que funde teclados, guitarras e metais, com voz de repentista, numa
homenagem a São Paulo; e “Twist, Não”, de João Grillo e Roberto Faissal, em que
ele critica o próprio ritmo que dá título a canção, num protesto bem-humorado.
O rei do ritmo e do pandeiro
A chancela de rei do ritmo foi dada
a Jackson do Pandeiro durante um concurso carnavalesco
promovido pelo Departamento de Turismo da Prefeitura do Rio de Janeiro e em que
ficou no terceiro lugar, com a apresentação do samba “Lágrima”, composto por
ele, José Garcia e Sebastião Nunes.
A segunda e definitiva coroação veio
da gravadora Copacabana, que, em 1960, reuniu doze sucessos anteriores em Sua
Majestade – O Rei do Ritmo. “Foi um carimbo da gravadora, mas que ninguém nunca
questionou, nem tentou tomar essa coroa, porque, já em 1960, apenas com sete
anos de carreira discográfica, era possível identificar diversidade e ecletismo
em seu repertório”, confirma Fernando Moura.
Já o nome Jackson do Pandeiro foi
dado ao garoto de Alagoa Grande, nas cercanias de Campina Grande, na Paraíba,
durante uma participação na rádio Jornal do Comércio, de Recife, como derivado
do modo como ele mesmo se chamava, ou seja, de Jack, inspirado em um mocinho de
filmes de faroeste, chamado Jack Perry. O diretor de um programa da emissora
acreditou que ficaria mais sonoro Jackson do Pandeiro e causaria mais efeito ao
ser anunciado.
A associação de Jackson do
Pandeiro com o tal instrumento percussivo foi imediata. “O pandeiro é
um elemento significativo, tanto do ponto de vista sonoro, rítmico, como
estético. Mas eu tenho a impressão que mesmo que, se não existisse o pandeiro
nem no nome, nem na performance rítmica dele, ele continuaria sendo o rei do
ritmo. Tanto é que passou um tempo sem tocar pandeiro e, mesmo assim, conseguiu
manter o ritmo com a voz, coreografia, arranjos e escolha de repertório”,
avalia Fernando Moura.
“Jackson tocava o instrumento de
forma singular. Era caprichoso e utilizava as pontas dos dedos. Mesmo que fosse
a mesma canção, ele tocava de forma diferente, demonstrando ainda mais sua
habilidade com o instrumento, que foi seu grande companheiro”, opina Marcelo
Félix Lopes, secretário da Cultura e Turismo de Alagoa Grande (PB), e um dos responsáveis
pelo Memorial Jackson do Pandeiro.
“O suingue é determinado não pela
força, mas pela sutileza e pelo inesperado. É uma coisa maravilhosa que o
Jackson trouxe. Não acho que ele tenha inventado nada, mas mostrou como era
possível fazer música popular, que todas as pessoas gostam, cantam, respeitam e
admiram. A fala, a letra e a divisão rítmica dele era muito avançada para a
época. O trabalho do Jackson pode ser considerado precursor do rap e de muitas
outras coisas. Ele era original em si e mostrou caminhos que até hoje estão aí.
O Jackson é muito importante, até mesmo para quem não toca pandeiro”, garante o
músico Fernando Moura, que tocou com o irmão de Jackson do Pandeiro,
Cícero Gomes, e com dois sobrinhos dele, Zé Gomes e Zé Leal.
“O grande legado deixado por Jackson
foi exatamente o seu estilo de tocar, seu sincopado. Ou seja, ele dividia as
notas. Quando você pensava que ele ia para um lugar, ele ia para outro. O
instrumento principal dele era o pandeiro, mas ele tentou tocar outras coisas.
Tocou sanfona, mas não deu certo. Na verdade, ele era conhecido como um grande
sanfoneiro de boca. Hermeto Pascoal diz isso. O Severo, que tocou com ele,
também. Sanfoneiro de boca porque ele não tocava sanfona, mas fazia o som na
boca para o sanfoneiro tocar. Era o som da sanfona”, conta Marcus Vilar,
diretor, junto com Cacá Teixeira, do filme Jackson – Na batida do
Pandeiro, que teve uma exibição especial em 21 de julho, em João Pessoa
(PB).
De acordo com o escritor Fernando
Moura, um dos grandes bateristas e sambistas brasileiros, Wilson das Neves,
tocou com Jackson em diversas gravações, principalmente de Clara Nunes, e
gostava de dizer que, quando o artista entrava com seu pandeiro, tornava-se o
centro rítmico em função da cadência precisa e da marcação cirúrgica. Os
músicos naturalmente voltavam os ouvidos para o pandeiro dele.
Performático e bem-humorado
Jackson do Pandeiro aprendeu a
cantar coco com a mãe, Flora Mourão, e logo tornou-se tocador de zabumba. “As
mulheres foram determinantes na vida dele. A começar pela mãe, que foi a
mentora e inspiradora, por ser cantora de coco na região do brejo paraibano”,
garante Fernando Moura.
Após a morte do pai, José Gomes, na
década de 1930, Jackson se mudou com a mãe e os dois irmãos para Campina
Grande, onde trabalhou como engraxate, ajudante de padaria e músico do Cassino
Eldorado. Na feira central, ele conviveu com artistas populares, como
cantadores de coco e violeiros.
Mais tarde, Jackson homenageou a nova
cidade na música “Forró em Campina”: “Cantando meu forró vem à lembrança / O
meu tempo de criança que me faz chorar / Ó linda flor, linda morena / Campina
Grande, minha Borborema / Me lembro de Maria Pororoca / De Josefa Triburtino, e
de Carminha Vilar / Bodocongó, Alto Branco e Zé Pinheiro / Aprendi tocar pandeiro
nos forrós de lá”.
“A origem de Jackson é popular. Ele
frequentou feiras, circos e tablados. Foi palhaço de pastoril. Então levou,
para os palcos e ao início da televisão, uma carga cênica muito forte, com uma
coreografia muito envolvente e carismática”, garante o escritor Fernando Moura.
Ele conta que o crítico musical Zuza Homem de Melo costuma dizer que, naquela
época, na migração do rádio para a televisão, o cantor Cauby Peixoto, por
exemplo, o máximo que conseguia de movimento era dar dois passinhos para cá e
dois para lá. O restante ficava estático, porque o rádio era uma plataforma
estática.
“As exceções eram Jackson e Almira,
que faziam coreografias diversas. Brincavam no palco. Dançavam e faziam
palhaçadas. Então essa performance foi importante, inclusive, para levá-los ao
cinema. Eles chegaram a gravar nove filmes. E isso ajudou na expansão da
carreira de ambos”, opina. Entre os filmes, está “O Batedor de Carteiras”, de
1958, dirigido por Aluízio T. de Carvalho.
Rivalidade e afinidade com Luiz Gonzaga
Dois dos maiores nomes da cultura
nordestina e brasileira de todos os tempos, Jackson do Pandeiro e Luiz
Gonzaga se conheceram no programa Amigos da Madrugada,
comandado por Edelzon Alves, de meia-noite às três da madrugada, na rádio Globo
carioca, e no qual Jackson trabalhou durante dez anos.
“Teve um dia que teve um programa
de Gonzaga com Jackson. Foi a primeira vez em que
eles se encontram para tocar e cantar. Um cantou música do outro. A partir daí,
eles se tornaram muito amigos. Mas cada um tinha o seu estilo e seguia o seu
caminho”, conta Marcus Vilar.
“Estabelecer uma relação entre Jackson e Luiz
Gonzaga é complicado. Luiz Gonzaga cantou o Nordeste,
o sertão, de forma saudosa, melancólica – aquela coisa do homem sofrido e
exilado. O cancioneiro dele foi muito rural. Já o cancioneiro de Jackson foi
muito urbano. Ele já inseriu no repertório elementos da crônica cotidiana, dos
personagens da feira, da rua e do cabaré”, analisa o biógrafo Fernando Moura.
“Mas, do ponto de vista da referência
para a música popular brasileira, eles se assemelham. Eles são duas faces da
mesma moeda. Alguns intérpretes, como Alceu Valença, Geraldo Azevedo e João
Bosco, costumam comparar Luiz Gonzaga e Jackson do
Pandeiro a Pelé e Garrincha. São dois gênios da bola. Só que um soube
fazer o seu marketing e o outro não. Um foi mais organizado do ponto de vista
da carreira e o outro foi mais despojado”, acrescenta.
Retorno com Gil e Gal
Há muita discussão em torno de Jackson
do Pandeiro ter sido precursor e inspirador do movimento tropicalista.
Mas o fato é que Gal Gosta, por exemplo,
regravou, por sugestão e com arranjo de Gilberto Gil, no álbum
homônimo de 1969, “Sebastiana”, de Rosil Cavalcanti, um dos maiores sucessos da
carreira do paraibano: “Convidei a comadre Sebastiana / Pra dançar um xaxado na
Paraíba / Ela vem com uma dança diferente / E pulava que nem uma guariba / E
gritava a, e, i, o, u, ipsilone”.
Gilberto Gil também
regravou, no álbum Expresso 2222, de 1972, “Chiclete com Banana” e
“O Canto da Ema”, de João do Vale, Aires Viana e Alventino Cavalcante: “A ema
gemeu / No tronco do jurema / Foi um sinal bem triste, morena / Fiquei a
imaginar / Será que o nosso amor, morena / Que está pra se acabar”.
“Jackson do Pandeiro é típico daquela
verve interiorana nordestina, do artista que nasce no entrecruzamento da vida
rural brasileira, em todos os seus aspectos – a agricultura, a gente e suas
formas de convívio, entretenimento e diversão –, com o mundo urbano,
especialmente das cidades de porte médio, como era o caso de Campina Grande, de
onde ele vinha, e que começaram a ganhar uma importância muito grande nas
décadas de 1930, 1940 e 1950”, garante Gil.
O fato é que Jackson do Pandeiro estava
no ostracismo quando foi recuperado por Gilberto Gil e Gal Costa. Ele acabara
de se separar de Almira Castilho e se casara com Neuza Flores, com quem viveu
até a morte.
“No período em que conviveu com
Almira [que conheceu na mesma rádio Jornal do Comércio, em Recife, na década
de 1950], Jackson estava mais organizado e em expansão patrimonial.
Chegaram a ter um apartamento de cobertura e vários carros. E, quando ele se
casou com Neuza, já estava num processo de ostracismo. Sofreu dois acidentes
que o deixaram imobilizado por um bom tempo. Então algumas agruras o
acompanharam nesse período, o que me fazem dizer algumas vezes que Almira pegou
o filé e Neuza pegou o osso de Jackson”, opina Fernando Moura, que prepara,
junto com Sandro Dupan, o livro Os Ritmos do Rei – Jackson do Pandeiro
de A a Z, em que aborda todas as canções gravadas pelo músico.
Outro artista bastante influenciado
por Jackson do Pandeiro foi o cantor e compositor
pernambucano Alceu Valença, que, na canção “Cópias Mal Feitas”,
menciona “Dezessete na Corrente”, composta por Edgar Ferreira e Manoel Firmino
Alves, e gravada em 1958.
Alceu garante que um dos maiores
sucessos da carreira dele também foi inspirado em Jackson, “Coração Bobo”.
“Conheci Jackson do Pandeiro em 1972, quando o convidei para
cantar comigo e Geraldo Azevedo no Festival Internacional da Canção daquele
ano. Eu havia composto ‘Papagaio do Futuro’, que falava em metáforas sobre a
crise do Petróleo vivida no período e, por se tratar de uma embolada, achei que
Jackson traria algo de especial à canção”, conta. Seis anos depois, em 1978,
eles participaram do Projeto Pixinguinha, percorrendo várias cidades do país.
“Jackson foi, inclusive,
quem me incentivou a cantar frevo, um gênero que eu até então evitava, por
conta de toda a sua complexidade rítmica. Ele me dizia: ‘Pra cantar frevo, tem
que ter queixada’. Ou seja, a capacidade de articular as palavras dentro da
métrica. A partir de seu incentivo, passei a cantar e compor frevos, alguns
deles em parceria com Carlos Fernando, como ‘Sou Eu Teu Amor’, lançado por
Jackson em dueto com Gilberto Gil na série de discos Asas
da América”, garante.
Vocalista, guitarrista e violonista
da banda Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna voltou às suas
origens paraibanas em 1988 e incluiu, no álbum Bora Bora, uma
gravação de “Um a Um”, de Edgar Ferreira, sucesso com Jackson do Pandeiro, em
1954: “Esse jogo não pode ser um a um / O meu clube tem um time de primeira /
Sua linha atacante é artilheira / A linha média é tal qual uma barreira / O
center-forward corre bem na dianteira / A defesa é segura e tem rojão / E o
goleiro é igual um paredão”.
Foi também a partir da audição
de Jackson do Pandeiro que outro cantor e compositor
pernambucano, Lenine, compôs e gravou, no álbum “Na Pressão”, de 1999, a canção
“Jack Soul Brasileiro”: “Jack Soul brasileiro / E que som do pandeiro / É
certeiro e tem direção / Já que subi nesse ringue / E o país do swing / É o
país da contradição / Eu canto pro rei da levada / Na lei da embolada / Na
língua da percussão / A dança mugango dengo / A ginga do mamolengo / O charme
dessa nação”.
“Ele jamais repetia a mesma
interpretação. Não tem quem não ouça, não se comova e não se faça seduzido por
aquela malemolência e jogo de palavras. Ele cantou de tudo e tudo que cantou,
cantou muito bem. Mas é bacana frisar que, quando uma expressão musical
consegue ter de tal maneira uma alma tão poderosa, ela consegue adaptar a ela
qualquer tipo de canção. É o que acontece com o coco. E Jackson defendeu isso
até morrer. Ele dizia que tudo era coco. Ele pegava qualquer música e tocava no
pandeiro dele. Provava, assim, que o coco tem essa capacidade de ter uma alma
própria”, analisa Lenine.
Um dos maiores representantes do
coco, nitidamente influenciado por Jackson do Pandeiro, foi Bezerra da
Silva, que estreou em discos com “O Rei do Coco”, lançado em 1975, pela
gravadora Tapecar e que fez tanto sucesso a ponto de render um segundo volume
no ano seguinte.
100 anos para se comemorar
Portanto, há muitos motivos para se
celebrar os 100 anos de nascimento de Jackson do Pandeiro, que morreu em 10 de
julho de 1982, em Brasília, em decorrência de complicações de embolia pulmonar
e cerebral.
“Estamos redescobrindo um mito da
música popular brasileira. Alguém que influenciou positivamente a preservação
da cultura popular brasileira. Através de Jackson, de sua vida e
obra, mantemos viva a memória, a história e a cultura de um povo tão guerreiro.
O maior legado que deixou, além de seus discos e gravações foi, sem dúvida, a
grande influência que exerceu e exerce sobre artistas de diversos gêneros
musicais brasileiros”, garante Marcelo Félix Lopes, que cuida da Caravana
Rei do Ritmo, que tem como objetivo mostrar a vida e a obra de Jackson em
cidades como Araruna, Alagoa Nova, Pilões, Bananeiras, Guarabira, entre outras.
As descobertas parecem não ter fim. O
pesquisador musical Jocelino Tomaz de Lima, professor no interior
do estado da Paraíba, descobriu, recentemente, uma música que estava perdida,
porque foi gravada, em 1966, no lado B de um compacto que tinha, no lado A, o
“Frevo do Tri”. Mas, como o Brasil não foi campeão naquele ano, o disco não
vendeu e “Garota de Botafogo” ficou praticamente desconhecida.
A improvável história de Jackson do Pandeiro,
o menino negro e pobre que gravaria cerca de 140 discos
Obra do artista abordou temas como a
influência da música estrangeira, a religião e, principalmente, a mulher
ALAGOA GRANDE — José Gomes Filho foi de tudo um pouco. Zé, Jack,
José Jackson e Zé Jack, por conta do fascínio pelos filmes de faroeste, cujo
ídolo era o ator Jack Perrin. Mas o que esse homem miúdo de bigode estreito e
mãos malabaristas melhor soube ser foi Jackson do Pandeiro. O Rei do Ritmo, que
chegaria aos 100 anos neste sábado (31), começou a carreira pelas beiradas,
acompanhando a mãe Flora Mourão em rodas de coco, morando em casa de taipa, nos
arredores de um engenho do brejo paraibano.
— Jackson tinha tudo contra si. Um cara que foi alfabetizado aos
35 anos, negro, pobre, em tese não teria condições de chegar aonde chegou —
analisa Fernando Moura, coautor da biografia “Jackson do Pandeiro: O Rei do
Ritmo”.
Jackson do Pandeiro, nome
artístico de José Gomes Filho, nasceu em Alagoa Grande, na Paraíba, e
completaria 100 anos no próximo 31 de agosto Foto: Mario Luiz Thompson /
Divulgação Jackson retratado em fevereiro de 1955. Filho de uma cantora de
coco, o cantor, compositor e instrumentista ficou também conhecido como rei do
ritmo Foto: Agência O Globo
Jackson do Pandeiro em cena do filme
"Minha sogra é da polícia", de 1958. Na foto, com Costinha e Violeta
Ferraz Foto: DivulgaçãoJackson do Pandeiro e Almira Castilho, com
quem se casou em 1956. Viveu com ela até 1967 Foto: Kojima / DivulgaçãoEm fevereiro de 1962, Jackson do Pandeiro e
Almira Castilho Foto: Arquivo / Agência O GloboEm outubro de 1965, Jackson do Pandeiro e sua
mulher, Almira, no "Zicartola": novos proprietários do famoso bar. Na
foto, comemoram o lançamento do disco de João do Vale (à esquerda), "O
poeta do povo" Foto: Arquivo / Agência O GloboA baiana Neuza Flores dos Anjos, segunda esposa
e viúva de Jackson do Pandeiro, em seu apartamento em João Pessoa Foto: Eduardo
Vessoni / Agência O GloboJackson do Pandeiro. Nome artístico tem
inspiração no ator Jack Perry, dos filmes de faroestes dos quais era fã Foto:
Arquivo / Agência O GloboJackson do Pandeiro na primeira semi-final do
VII Festival Internacional da Canção, em setembro de 1972 Foto: Sebastião
Marinho / Agência O GloboJackson do Pandeiro no Festival Internacional
da Canção em 1972 Foto: Sebastião Marinho / Agência O GloboJackson do Pandeiro, em dezembro de 1972, em
sua casa e com a sua esposa, Neuza Flores Foto: Manoel Soares / Agência O GloboJackson do Pandeiro, em dezembro de 1972, em
sua casa Foto: Manoel Soares / Agência O GloboJackson do Pandeiro em outubro de 1973. Adelzon
Alves (radialista), comanda "Forró das quintas", na Rádio Globo Foto:
Arquivo / Agência O GloboO cantor, compositor e instrumentista Jackson
do Pandeiro, retratado em 17/10/1975 Foto: Eurico Dantas / Agência O GloboJackson do Pandeiro, em abril de 1977, com
Raimundo Fagner, Zé Ramalho e Moraes Moreira, no Teatro João Caetano Foto: Lena
Trindade / DivulgaçãoEm agosto de 1981, Jackson do Pandeiro em show
no Maracanãzinho para comemorar os cinco anos do "Projeto
Pinxinguinha" Foto: Anibal Philot / Agência O GloboAo chegar no Rio em 1955, Jackson foi
contratado pela Rádio Nacional, onde alcançou grande sucesso com canções como
"O Canto da Ema", "Chiclete com Banana" e "Um a
Um". Artista morreu em 1982, aos 63 anos de idade Foto: Monumento a Jackson do Pandeiro em Alagoa
Grande Foto: Eduardo Vessoni / Agência O GloboEstátuas em homenagem a Luiz Gonzaga e Jackson
do Pandeiro, em Campina Grande Foto: Eduardo Vessoni / Agência O GloboChapéu de Jackson do Pandeiro, em exposição no
Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande Foto: Eduardo Vessoni / Agência
O GloboViolão de Jackson do Pandeiro, assinado por
Juscelino Kubitschek, em exposição no Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa
Grande Foto: Eduardo Vessoni / Agência O GloboInstrumentos do cantor em exposição no
Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande Foto: Eduardo Vessoni / Agência
O GloboBloco de anotações de Jackson do Pandeiro,
também em exposição no memorial Foto: Eduardo Vessoni / Agência O GloboCarteira de identidade de José Gomes Filho, o
Jackson do Pandeiro, em exposição no memorial em Alagoa Grande Foto: Eduardo
Vessoni / Agência O Globo
Debruçar-se sobre sua discografia é ver um desfile de gêneros
musicais, em seus quase 140 discos. Em 1953, estreia com um compacto com duas
faixas que seriam hits por longa temporada: “Forró em Limoeiro” e “Sebastiana”.
Embora seu nome esteja associado ao forró, o ritmo que o músico
mais gravou foi samba. Foram 117 músicas deste gênero, seguidas por rojão (72),
baião (42) e marcha (40), segundo pesquisa levantada por Sandrinho Dupan,
assistente de curadoria musical do Museu de Arte Popular Paraibana (MAPP), em
Campina Grande. Em 1964, por exemplo, lança o disco “Coisas nossas” com uma
sequência de afro-sambas, dois anos antes do trabalho sincrético com o qual
Vinicius de Moraes e Baden Powell, acompanhados do Quarteto em Cy, dariam novos
tons à MPB.
Desde junho, o MAPP, mais conhecido como Museu dos 3 Pandeiros,
abriga “Jackson é 100, Jackson é Pop”, exposição que conta a história do músico
com fotografias, objetos como o pandeiro original e letras inéditas. Ali perto,
a Universidade Estadual da Paraíba guarda raridades como a letra “Marco
emocional”, registrada com a caligrafia do próprio músico.
Em Alagoa Grande, onde Jackson nasceu, a relação com o filho
ilustre não é simples. Ele parece ter sido apagado da lembrança daquela gente
que carrega uma certa mágoa pelo distanciamento do compositor. “Acho que faz
mais de 900 anos que eu saí de lá. Passei uma fome da bexiga, por isso não
quero voltar lá”, confessou no programa “Ensaio” em 1973.
Rei do
Ritmo e do forró?
Lá, o Memorial Jackson do Pandeiro, localizado em uma casa de
1898, guarda fotos, capas de discos, os inconfundíveis chapéus e camisas
estampadas, jornais de Almira Castilho (a ex-esposa, morta em 2011) e um violão
de Jackson, assinado por Juscelino Kubitschek.
— A gente está plantando Jackson na terra em que ele nasceu, a fim
de que ele floresça — explica Gabriele Nunes, monitora do espaço inaugurado há
uma década.
— Aproveitemos o centenário e ouçamos mais Jackson do Pandeiro. É
preciso ouvir o lado B, o C e o Z de Jackson para que a gente tenha noção da
importância dele — diz o biógrafo Fernando Moura.
‘Invasão
estrangeira’
Não foi uma carreira estável. No início dos anos 1970, ele se queixava
em entrevista ao GLOBO: “Não tem lugar pra trabalhar, tudo isso por causa da
invasão da música estrangeira”. Em 1976, o disco “É sucesso” traz faixas como
““Iê, iê, iê no Cariri”.
— Jackson tocava no pandeiro dele qualquer música dos Beatles,
fazendo na base um coco, e provava que, assim como o reggae, o coco tem essa
capacidade de ter alma própria — descreve o pernambucano Lenine, que compôs
“Jack soul brasileiro” em homenagem (e sampleando) o mestre.
Jackson chegou a ir da fama ao esquecimento, mas nunca saiu do
repertório de artistas consagrados, de Gilberto Gil a Zeca Pagodinho.
Paradoxalmente, os mesmos cabeludos dos anos 1970 que pareciam ameaçar a música
regional com suas novas batidas o trariam de volta à cena musical. A mistura
promovida pela Tropicália ressuscitava o paraibano em gravações como a versão
jazzística que Gal Costa gravou para “Sebastiana”, em 1969, e a versão
“bosseada” de “Chiclete com banana”, no antológico “Expresso 2222” que Gil
lançou em 1972.
O tempero extra viria naquele ano, quando Alceu Valença e Geraldo
Azevedo bateram à porta de Jackson, para convidá-lo para defender com eles
“Papagaio do futuro”, no Festival da Canção.
Cultura
Racional
Naquela década, um reformado Jackson do Pandeiro compõe samba e
forró inspirado na Cultura Racional. É dessa experiência curta, de 1973 a 1978,
que o músico grava faixas como “Mundo de paz e amor” e “Alegria minha gente”,
cuja capa tem Jackson com um colar com a imagem que ilustra a série de livros
“Universo em desencanto” que fundamentam a seita, fundada pelo médium Manoel
Jacintho Coelho e que também inspiraria Tim Maia.
— Não são beatas nem religiosas. São músicas que falam de questões
universais com que todo mundo se identifica, de paz, amor e consciência —
analisa o músico Arthur Pessoa, líder da Cabruêra, banda que, em 2019, toca com
Os Fulano o lado B de Jackson, em um repertório só com canções da temporada
Racional e músicas inspiradas nos terreiros de candomblé que o compositor
frequentou no Recife, como o batuque “Pai Orixá”.
Mas Jackson gostava mesmo era de mulher. Desde o início, sua obra
foi marcada por algumas canções impensáveis para a época, como mudança de sexo,
em pleno início da década de 1960 (o forró “A mulher que virou homem” é
considerado uma das primeiras músicas brasileiras a tratar do assunto).
Cantou não só a mulher que “topa parada” (“Forró em Limoeiro”,
1953) mas também a enalteceu em faixas como “História de Lampião” (1977), em
que defende que o Rei do Cangaço deveria pagar pelo que fez no sertão, mas
Maria Bonita, não.
Exceto por um primeiro casamento forçado, a mulher sempre foi uma
espécie de arrimo em sua vida pessoal e profissional. Almira Castilho, elegante
e bem formada, foi a mulher que lhe ensinou as letras; Neuza Flores, a última
esposa, é a ex-metalúrgica que largou tudo para acompanhar o ídolo que viraria
marido. A primeira esteve ao lado dele, em tempos de sucesso e dinheiro rápido
— apareceu em alguns dos nove filmes que ele fez, por exemplo); a segunda foi a
fisioterapeuta particular após um acidente em 1968, e viu o Rei do Ritmo
desaparecer dos palcos, aos poucos.
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