joão de sousa lima, escritor, visita a grota do angico, 70 anos depois da morte de lampiãoParte superior do formulário
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Folha Sertaneja - Paulo Afonso - BA
09/08/2008 - 00:22
Lampião: 70 anos depois - Os 12 mortos de Angico
João de Souza Lima
Pesquisadores na Grota do Angico, local da morte de Lampião, há 70 anos
O tema Cangaço tem merecido grande atenção de pesquisadores em todo o mundo. Sobre ele existem milhões de páginas na internet e centenas de sites. Mais de quatrocentos livros já foram publicados sobre o assunto e, segundo o pesquisador João de Souza Lima, "apenas cerca de 150 deles merece credibilidade total. Outros fantasiam muitos e outros ainda estão recheados de bobagens e totalmente fora da seriedade deste tema".
O autor dos livros Lampião em Paulo Afonso, A Trajetória Guerreira de Maria Bonita, Morena & Durvinha – Sangue, amor e fuga no cangaço e de uma cartilha sobre a restauração da Casa de Maria Bonita, João de Souza Lima atendeu ao convite da Folha Sertaneja e refez o trajeto da volante que matou Lampião, Maria Bonita e 9 cangaceiros na Grota de Angico, em Poço Redondo, onde também morreu o soldado Adrião, conhecido como Adriano.
Veja o seu relato e as histórias que contou sobre a morte de Lampião e os desdobramentos do assunto ainda hoje. (AGS)
Dia 27 de julho de 2008, eu, Antonio Galdino e a equipe do Jornal Folha Sertaneja, juntamente com Renato Oliveira Mendonça (sobrinho neto de Maria Bonita), o jornalista Glauco Araújo do G1 – Portal de Notícias da Globo, saímos de Paulo Afonso em direção a Grota do Angico, em Poço Redondo, Sergipe.
Antônio Galdino Jairo, turismólogo e Diretor de Cultura de Piranhas (com microfone) foi o anfitrião do passeio
Com nosso próximo destino sendo Piranhas, Alagoas, uma embarcação nos aguardava já tendo a bordo o Diretor local de Cultura Jairo Rodrigues, o escritor pernambucano Antonio Vilela, o documentarista cearense Aderbal Nogueira e, umas duas dezenas de pessoas interessadas no tema cangaço e em conhecer o local onde 70 anos antes havia sido dizimado Lampião e uma parte do seu grupo.
Todos reunidos, filmadoras e câmeras a postos e o barco foi desatracado do pequeno cais. A rota foi à mesma realizada exatamente 70 anos antes, pelo comandante tenente João Bezerra, o aspirante Chico Ferreira, sargento Aniceto Rodrigues e seus comandados.
Enquanto as corredeiras favoráveis impulsionavam mais rápido o barco, as imagináveis lembranças iam sendo despertadas com a visão da bela paisagem. Uma leve chuva caía, mesma cena vivida pela volante policial 70 anos passados.
Com os afluentes bicos de pedras e lajedos no meio do milenar Rio São Francisco, fica difícil entender como a polícia conseguiu descer aquelas águas em três barcos ajoujados (unidos e amarrados com cordas), durante o anoitecer e sem iluminação. O fato é que o percurso foi realizado com sucesso.
Alguns minutos depois estaríamos diante de um restaurante, já pelo lado sergipano, na entrada da Grota do Angico. Desembarcamos por uma plataforma bamba e uma tábua submersa, molhando os calçados. Reunidos no restaurante nos municiamos com água e seguimos os 800 metros na trilha que nos levaria a Grota.
Antônio Galdino A trilha tem 800 metros
Em fila indiana fomos aos poucos galgando o caminho com paradas esporádicas para entrevistas e fotos. A vereda molhada e escorregadia dificultou ainda mais o trajeto. Algumas pessoas de mais idade, cansadas, tiveram que contar com a ajuda de outros mais jovens nas subidas e descidas cheias de pedregulhos.
Alguns versos da época do cangaço iam sendo recitados. No caminho encontramos três ciclistas que faziam o caminho inverso, oriundos de Canindé do São Francisco, Sergipe.
Com uns respirando acelerado, outros cansados e mais alguns exaustos, sem contabilizarmos alguns tombos sofridos, chegamos ao local onde duas cruzes e uma placa com os nomes dos cangaceiros marca o local que ficou eternizado por ser o ponto da morte de Lampião, o Rei do Cangaço.
Fotos eternizaram a visita e fatos sobre as mortes foram esclarecidos, discutidos e analisados naquele momento.
Antônio Galdino Escritor João Souza Lima, na Grota do Angico, em Poço Redondo-Se
Entre a conversa em torno das cruzes comentamos a falha do tenente João Bezerra que sendo o comandante do grupo que matou os cangaceiros, retornou lá, na década de 70 e em homenagem aos cangaceiros mortos deixou uma cruz grande tendo o detalhe de dez pequenas cruzes, totalizando onze, que foi a quantidade de cangaceiros abatidos, esquecendo o policial de prestar também sua homenagem (e talvez a mais justa) ao soldado Adrião, que foi o único soldado morto no tiroteio.
A velha cruz colocada pelo tenente foi tempo depois retirada por Vera Ferreira (neta de Lampião e Maria Bonita) e ela vem sofrendo vários pedidos de historiadores que assinaram um manifesto para que devolva a peça para seu devido lugar.
No local o escritor Antonio Vilela, que é evangélico, foi convidado para fazer uma oração e como ele deixou claro, não contrariando sua fé, orou apenas pela nossa segurança, saúde e a amizade estabelecida naquele ambiente. Ambiente tão cheio de histórias e controvérsias.
Antonio Galdino e sua equipe (Ricardo e Nícolas) e Glauco Araújo realizaram seus trabalhos jornalísticos, documentando entrevistas com suas câmeras e aí chegou o momento de retornarmos.
Antônio Galdino doces - referências ao cangaço
O grupo pôs novamente os pés no caminho argiloso e escorregadio de pedras tantas e soltas. No trajeto uma pausa para fotografar um preá que morreu espetado nos espinhos de um mandacaru. O caminho de volta foi vencido, chegamos ao restaurante onde degustamos um tucunaré acompanhado de uma gostosa comida caseira, ainda discutindo sobre os onze cangaceiros e o soldado Adrião, os mortos da Grota do Angico.
Em partes restabelecidos do cansaço e em todo da fome nos dirigimos para a embarcação. Tiramos os calçados e enfrentamos dessa vez a plataforma de subida totalmente submersa.
Antônio Galdino Rota de Angico, pelo rio São Francisco
Contra a correnteza começamos o mesmo trajeto também feito pela volante policial. Para trás ficou a Grota do Angico, há 70 anos passados onze cabeças e um corpo subiram as corredeiras do Velho Chico, em barcos rusticamente manobrados por experientes canoeiros, enquanto onze corpos degolados ficavam no silêncio do Riacho do Angico, onde a fumaça e o cheiro da pólvora impregnavam o ambiente antes acolhedor de um sono vacilante, de uma história que teima em não calar, talvez por ser hoje parte da história do nosso Brasil.
Hoje, 28 de julho de 2008, exatos 70 anos das mortes enquanto escrevo estas memórias o pensamento retorna aquela Grota e diante de tantos depoimentos deixados, alguns fantasiosos e outros tantos por quem realmente vivenciou o momento.
Sinto que apesar de 70 anos do ocorrido, ainda é cedo, muito cedo para análises precipitadas e julgamentos tendenciosos e defendo a releitura histórica apenas pelo valor histórico dos fatos acontecidos e não por críticas preconceituosas que possam ferir a nossa imagem de Sertanejo-Nordestino tão avaliada e avariada por "Doutores" que não conhecem a nossa realidade e são formados com suas teses através de conhecimentos de gabinete, sem nunca ter pisado a verdadeira escola do homem do campo.
Antônio Galdino A visão de Piranhas, no retorno
Sabe lá quantos mistérios se escondem naquela manhã úmida e fria de 28 de julho de 1938? Nos resta saber que hoje, 28 de julho de 2008, doze corpos restaram naquele fatídico dia e o silencio ainda impera enigmático e ao mesmo tempo ensurdecedor.
A história continua lá, as cruzes marcam e lembram o momento, o tempo eterniza a história.
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