quarta-feira, 29 de abril de 2015



      NAS TRILHAS DO CANGAÇO:
O LOCAL DA MORTE DE LIVINO  FERREIRA E A CEGUEIRA DE LAMPIÃO.
                                                                      * Por João de Sousa Lima

     Dia 25 de abril de 2015, eu e Josué Santana, nos dirigimos a cidade de Calumbí, Pernambuco, para nos encontrarmos com o amigo Lourinaldo Teles, que nos convidou para participar de uma reunião com os membros do IHG- Instituto Histórico e Geográfico do Pajeú, com sede em Serra Talhada. A reunião serviu para que Lourinaldo pudesse apresentar seu material encontrando onde houve os famosos combates dos cangaceiros, fatos acontecidos na região que compreende Serra Talhada, Calumbí, Flores, Ibimirim e outros pontos próximos. Além das escavações, Lourinaldo vem catalogando punhais que foram do cangaço e escrevendo um livro sobre os fatos que lhe são narrados por pessoas que viveram a época. Em vários momentos acompanhei Lourinaldo Teles nessas buscas e conhecer o local da morte de Livino Ferreira era uma das lacunas de minhas caminhadas nas estradas das pesquisas. Estivemos no lugar 90 anos depois do acontecido. Nos escombros da casa de dona Generosa encontramos pedaços de louças e uma peça que segura a bandoleira das armas
      Em 1925 Lampião passou na fazenda Melancia, em Flores, Pernambuco. A visita de Lampião à roça aconteceu para ele dar uma lição em Zé Calú, acusado por José Josino de Gois, de manter relações sexuais com as filhas.
Lampião prendeu no curral várias pessoas que passavam com destino a feira da cidade.
Lampião ordenou amarrarem Zé Calú pelos testículos, no esteio do telhado, com corda de coro trançado e os cangaceiros  suspendiam o agonizante senhor que desmaiou de dor e assim escapou da morte certa.
Logo após esse castigo os feirantes anunciaram na cidade o que havia acontecido com Zé Calú e  o delegado Vitoriano telegrafou para a cidade de Princesa Isabel pedindo reforços. De Princesa seguiu um caminhão com 16 soldados sob o comando dos sargentos José Guedes e Cícero de Oliveira.
Na localidade chamada Baixa do Tenório (sítio do coiteiro José Josino de Gois, coiteiro de Lampião) houve um confronto e o sargento Cícero de Oliveira foi baleado e morto.
O capitão José Caetano e o tenente Higino Belarmino de Morais ouviram os tiros e seguiram para Flores onde foram informados pelo delegado sobre a passagem dos cangaceiros e a perseguição acontecida pelos soldados.
    À frente das volantes ia o nazareno David Gomes Jurubeba e o combate foi inevitável. Os cangaceiros estavam próximos a casa de Generosa Teles (tia de Lourinaldo Teles).
     David Gomes Jurubeba deixou o depoimento de que foi ele quem atirou em Lampião e a bala estraçalhou um pé de quipá e os minúsculos espinhos teriam cegado o olho direto de Lampião.
Enquanto Lampião agonizava com a vista ensanguentada, seu irmão Livino, próximo a um umbuzeiro foi baleado pela volante. Os cangaceiros bateram em retirada tirando o baleado do meio do tiroteio e depois  mandaram chamar Generosa para cuidar do ferido.
Livino não suportou o ferimento e morreu sendo enterrado em uma gruta. Lourinaldo Teles esteve recentemente nessa gruta.
Sabe-se que Pedro, filho de Espreciosa, mulher que cozinhava para Lampião, foi quem ajudou no tratamento de Livino e também em seu sepultamento e, tempos depois, retirou os ossos do irmão do Rei do cangaço e os enterrou em Conceição de dentro, próximo a cova de José Paulo, primo dos Ferreiras, esse assassinado por Clementino Quelé.
O velho umbuzeiro que viu o irmão de Lampião ser baleado e morto, ainda está lá, imponente, ao lado da cerca de madeira que representa a época. São dois robustos e emaranhados de quase mortas células vegetais enfincados no chão, como lembranças tétricas de cenas vividas no passado, onde o aço veloz, certeiro, dilacerante, rasgou as carnes, mortalmente, de um moço-homem que acompanhou seu irmão nas veredas incertas do cangaço.




João de Sousa Lima é membro da ALPA – Academia de Letras de Paulo Afonso e membro da SBEC -  Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
Paulo Afonso, 28 de abril de 2015
por tras a serra onde Livino foi enterrado

escombros da casa de Generosa Teles.

o local da morte de Livino ferreira

a cerca onde Livino estava amparado

Adicionar legenda

estrada onde os cangaceiros e as volantes passaram

umbuzeiro onde os cangaceiros ficaram

material encontrado no lugar



reunião do Instituto Histórico e Geográfico do Pajeú, com material de Lourinaldo

punhais de Lourinaldo








quinta-feira, 23 de abril de 2015

NAS TRILHAS DO CANGAÇO: CADINHO MACHADO: BALEADO POR PASSARINHO E SOCORRIDO POR MARIA BONITA.



     TRILHAS DO CANGAÇO:
CADINHO MACHADO: BALEADO POR PASSARINHO E SOCORRIDO POR MARIA BONITA.

    Tantas histórias e personagens encontramos todos os dias em nossas pesquisas sobre o cangaço...
Há ainda tantas figuras e fatos que tiveram ligações diretas com a vida conturbada dos cangaceiros.
Em recente visita com o amigo  Josué Santana ao senhor Cláudio Alves Fontes, conhecido por Cadinho Machado, podemos ouvir e registrar suas histórias.
Ainda garoto, com a idade de oito anos, Cadinho conheceu alguns cangaceiros. (Cadinho nasceu no dia 07 de setembro de 1920). Depois desse encontro, durante muitos anos, foi encarregado de levar algumas coisas para os cangaceiros.
José Alves Fontes e Maria Alves Fontes, pais de Cadinho, residiam na fazenda Beleza em
 Pão de Açúcar, Alagoas.
Cadinho ficou muito tempo levando leite para Corisco e Dadá alimentarem sua filha no coito Poço Salgado (Esse coito depois ficou conhecido como a Pia de Corisco). Essa fazenda hoje pertence a Mané Cajé e na época do cangaço pertencia a Neco Brito.
Cadinho também ficou abastecendo o grupo de Lampião com leite e água e sempre tinha seus serviços pagos pelos cangaceiros, dinheiro esse que juntava e sempre andava nos bolsos de suas calças.
Em uma dessas idas ao coito “Pocinhos” (também de Neco Brito), presentes nesse dia os grupos de Lampião e Corisco,  Cadinho sentou-se na beira de um riacho e ficou conversando com o cangaceiro Cacheado que o escutava encostado no mosquetão. Em frente a Cadinho, o cangaceiro Passarinho limpava sua arma; De repente ouviu-se um disparo, os cangaceiros procuraram abrigo e se prepararam para lutar; Cadinho correu achando que era a polícia e quando chegou ao barranco do riacho  e se escorou, sentiu o sangue jorrando de suas nádegas e banhando as pernas. O meninote se assustou com a quantidade de sangue. Os cangaceiros se recompuseram do susto.
 Maria Bonita, Dadá e Maria de Pancada viram Cadinho molhado de sangue,  pegaram o menino e Maria Bonita avisou Lampião:
- Oh Lampião, o carregador de água tá baleado!
As mulheres baixaram a calça de Cadinho e ele disse que estava com vergonha. Maria Bonita mandou ele se calar e depois observou:
- Ah, ele já tá criando Penugem!
Lampião perguntou de onde tinha partido o tiro. O cangaceiro Cacheado entregou:
- Foi Passarinho! Olha ele lá embaixo da quixabeira!
    No bolso da calça do garoto tinha um dinheiro todo ensopado de sangue e Lampião pegou o dinheiro e colocou farinha encima pra secar o liquido. Lampião pediu o dinheiro emprestado (era 220 mil réis); Cadinho emprestou.
Do coito Lampião veio pro Caboclo (local onde reside hoje o senhor Cadinho). O cangaceiro veio pra matar Neco Cavalcante, inimigo ainda da época de Pernambuco.
Cadinho ficou sendo cuidado por Juriti. Uma semana depois Lampião retornou e pagou o dinheiro do jovem.
Depois Lampião prometeu duas novilhas de presente para Cadinho e foi quando aconteceu a morte do cangaceiro, no dia 28 de julho de 1938. Cadinho até hoje lamenta ter perdido o prêmio.
Aos 95 anos de idade, Cadinho é ainda homem lúcido, bom de prosa, sorridente, alegre... Ri sempre que lembra de um tiro que varou suas nádegas e da vergonha que teve em ter suas vestes arrancadas deixando suas “VERGONHAS” à mostra de mulheres encaliçadas na lida diária com a presença do sangue que banhou tantas vezes as áridas veredas das Caatingas nordestinas.


JOÃO DE SOUSA LIMA
 Historiador e escritor
Membro da ALPA – Academia de Letras de Paulo Afonso
Membro da SBEC – Sociedade Brasileiro de Estudos do Cangaço

Paulo Afonso, 22 de abril de 2015



terça-feira, 21 de abril de 2015

NAS TRILHAS DO CANGAÇO: CORONEL ÂNGELO DA GIA, FAZENDA POÇO DO FERRO E AS DUAS COVAS DE ANTÔNIO FERREIRA.





     NAS TRILHAS DO CANGAÇO:
CORONEL ÂNGELO DA GIA, FAZENDA POÇO DO FERRO E AS DUAS COVAS DE ANTÔNIO FERREIRA.

     Dia 19 de abril de 2015, saí de Paulo Afonso na companhia dos amigos Josué Santana e Leide Soares, para nos encontrarmos com o casal de amigos Marcos de Carmelita e a professora Silvana, residentes na cidade de Floresta, Pernambuco, onde iriamos realizar uma visita técnica para registrar mais um dos pontos históricos que farão parte dos roteiros apresentados durante o evento Cariri Cangaço, encabeçado por seu curador, Manoel Severo.
A pesquisa de campo teve como objetivo o mapeamento geográfico e histórico de um dos mais importantes fatos que marcam as histórias do cangaço na região pernambucana.
     Um dos pontos mais visitados por Lampião e seus cangaceiros foi a fazenda Poço do Ferro, de propriedade do coronel Ângelo da Gia. A fazenda, na época do cangaço, pertencia a cidade de Floresta e hoje pertence a Ibimirim.
    A fazenda não teria tanta importância para os pesquisadores do cangaço se lá tivesse sido apenas mais um dos inúmeros coitos dos cangaceiros. Nessa fazenda o Rei do Cangaço perdeu seu irmão Antônio Ferreira.
    Dirigimo-nos para Poço do Ferro, sendo guiado por Marcos de Carmelita, porém sem conhecermos ninguém da localidade, assim como parentes que ainda residem por lá.
Quando avistamos a pequena placa com o nome da fazenda, paramos em uma cancela, abrimos e seguimos a estreita estrada. Mais a frente encontramos um casebre onde reside o senhor João David da Silva, sua esposa Maria das Graças e os filhos Joaquim e Graziela. O João David nos recepcionou, serviu água e nos levou ao lugar onde foi enterrado o Antônio Ferreira.
Uma pequena formação de pedras e uma cruz marca o local da sepultura.
Fizemos algumas fotos e fomos até a casa grande da fazenda, onde estavam  Neta, bisnetos e trinetos de Ângelo Gomes de Lima, o Ângelo da Gia.
Na casa grande fomos recebidos por Washington Gomes de Lima, bisneto do coronel. Um fato interessante é que disseram que não seriamos bem recebidos pela família e confesso que de todos esses anos de pesquisas e entrevistas, nunca tive uma receptividade tão calorosa como a que recebemos da família.
Travamos um diálogo em uma festiva roda de conversas, tendo por depoentes a neta do coronel e matriarca da família, a senhora Eunice Gomes  Lima e suas filhas Ruth Gomes Lima Laranjeira e Maria do Socorro Gomes Lima Cordeiro e ainda, do trineto João Vítor Gomes Lima.
As histórias foram muitas mais sempre voltávamos ao episódio principal: a morte de Antônio Ferreira e a perseguição sofrida pela família e imposta pelas volantes policiais.
    Uma das informações importantes nos forneceu Washington que contou que dois dias depois da morte de Antônio, uma volante chegou na fazenda Poço do ferro, descobriu o túmulo do cangaceiro morto, desenterrou-o e cortou a cabeça e colocou em uma estaca da porteira do curral do casarão do coronel. Quando a polícia saiu o coronel mandou enterrar a cabeça no antigo cemitério da família. Antônio Ferreira tem, portanto dois túmulos, sendo um para o corpo e outro pra cabeça.

A MORTE DE ANTÔNIO FERREIRA
     Em janeiro de 1927, Antônio Ferreira, Jurema e mais alguns cangaceiros estavam jogando baralho na fazenda Poço do Ferro, enquanto Luiz Pedro descansava em uma rede. Antonio pediu pra ficar um pouco na rede pois Luiz já fazia tempo que estava deitado. Quando Luiz Pedro tentou levantar da rede apoiando a coronha do mosquetão no chão, apoiou com força e na batida a arma disparou atingindo mortalmente Antônio.
Lampião estava na Serra Negra e quando foi avisado correu pra saber da verdadeira história. O próprio coronel Ângelo da Gia contou que a morte havia sido de “SUCESSO” (termo que servia para designar  um acidente).
O cangaceiro Jararaca queria matar Luiz Pedro e os outros que estavam no lugar, Lampião não aceitou e por isso discutiram e Jararaca deixou a companhia de Lampião e seguiu outro rumo.
    
Fala-se que foi ai o juramento que Luiz Pedro fez dizendo que seguiria Lampião até sua morte. Se verdade ou não a promessa, eles morreram juntos na fria manhã do dia 28 de julho de 1938.
Na fazenda Poço do Ferro ainda restam as velhas pedras escuras que circundam covas das pessoas de várias gerações da família e duas dessa simbolizam a passagem do cangaço em suas terras.
No final da conversa nos convidaram para um farto almoço regado a galinha cabidela, bode assado, arroz e feijão de corda. Porém o que mais me marcou nessa visita foram os sorrisos dos membros da família, que mesmo tendo sofrido os abusos e as injustiças de uma época tão marcada pela violência, não perderam suas essências de sertanejos valorosos e, sabem como poucos, receber calorosamente, aos que buscam os filetes de suas memórias históricas...
Dona Eunice, Washington, Ruth, Maria Socorro e João Vítor, Deus proteja sempre vocês.


João de Sousa Lima
Historiador e escritor
Membro da ALPA- Academia de Letras de Paulo Afonso
Membro da SBEC_ Sociedade Brasileira de estudos do Cangaço

Paulo Afonso, 20 de abril de 2015
com Leide, Marcos de Carmelita e Silvana,  na fazenda Poço do Ferro



a cova de Antônio Ferreira





com Josué santana

a bela Graziela




Ângelo da Gia

Neta e bisnetos de Ângelo da Gia, em um banquete delicioso

com Washington, Eunice, Ruth, Maria Socorro e David

Washington mostra o verdadeiro local da morte de Antonio



porteira onde a cabeça de Antonio ficou exposta


casarão do coronel Ângelo da Gia

casarão de Ângelo da Gia

cemitério onde enterraram a cabeça d Antônio Ferreira



Poço do ferro: o poço que deu nome a propriedade