AS PROFISSÕES DO PASSADO E A MÁQUINA DO REI PELÉ
Há profissões hoje extintas e outras
quase esquecidas em nosso meio; Entre tantas profissões lembro-me de seu
Porfírio, flandeiro que fazia candeeiros, bicas, chaleiras, bacias e outros
produtos. Sempre que eu passava próximo a Praça Bráulio Gomes de Souza,
conhecida como “Praça 7 Dias”, ficava
observando aquele já idoso senhor, agachado, tesouras enormes nas mãos cortando
latas e dando formas diversas aos flandres com sua arte.
Tinha os Ferreiros, Os
datilógrafos, Rezadeiras, Benzedeiras, Entregadores de Leite e Pão, As
Rendeiras e tantos outros. Lembro dos vários engraxates que marcavam ponto na
Rua da Frente. Ainda nessa rua, próximo ao abrigo, local aonde chegavam dezenas
de caminhões pau de arara com pessoas oriundas de outros estados que vinham a
procura de emprego nas construções das usinas da Chesf, ficavam vários
fotógrafos e barbeiros. Os barbeiros com
suas tendas e latadas e os fotógrafos com suas enormes máquinas lambe - lambe.
Dentre esses fotógrafos destacavam-se os irmãos Valdomiro (Miro) Ferreira do
Carmo, Sebastião Ferreira do Carmo, Antonio e Raimundo (Mundinho). Um fato
curioso é que Seu Sebastião (nascido em 1929) e seu irmão Miro ainda trabalham
na profissão até os dias atuais, são duas lendas daquela época.
Nas lembranças dos dois
irmãos a imagem da Cadeia de Pedra (aonde hoje é o prédio da família Jatobá),
local onde eles batiam e revelavam suas fotografias, tempo hábil de 15 minutos
para as impressões, para os peões realizarem seus fichamentos na Chesf.
Entre os primeiros
fotógrafos da cidade um nome virou sinônimo de fotos: Seu Zé Miron.
Tivemos ainda os fotógrafos
da Chesf: Bret Cerqueira Lima e Cláudio Xavier (ainda vivo).
Na Vila Poty, além dos
irmãos citados acima e Seu Zé Miron, ainda tivemos Seu Severino (foto
Mandacaru), Zé Amâncio, João, Assis e Barbosa.
Os velhos barbeiros também
fizeram histórias na década de 1950 e com suas navalhas e máquinas manuais
aparavam as madeixas, barbas e bigodes dos homens que buscavam a sorte nas
obras de represamento do Velho Chico e alguns desses profissionais ainda estão
em exercício em nossa cidade. Um desses barbeiros é Abel Barbosa Lima. Nascido
em 19 de novembro de 1940, em Glória, Bahia, filho de Anésio Félix de Lima, que
era um dos maiores criadores de bode da região, com roça no povoado Nambebé.
Aos 12 anos de idade
Abel veio estudar em Paulo Afonso e
ficou residindo no Hotel “Grande Ponto”,
de propriedade de Lelé Parreira.
No Nambebé Abel ficava
observando Mané de Lourenço cortando cabelo e fazendo barbas. Aos sábados ele vinha com sua madrinha Maria
de Germana fazer a feira dentro do acampamento da Chesf. Na feira Abel via
várias barracas improvisadas onde trabalhavam vários barbeiros. Abel pediu uma
lona a sua madrinha e ela comprou e o presenteou. Com o pessoal dos povoados
Tigre e Arrasta-pé, que vinham vender carvão, Abel encomendou algumas madeiras.
Aos sábados e domingos, com
16 anos de idade, entre os barbeiros Zé Caetano, Zé Baixote, Zé Camilo, Zé
Fernandes e Manuel Pereira, Abel armava sua tolda e ia trabalhar.
Um fato curioso contado por
Abel foi que em um dos sábados, feira lotada, um rapaz do povoado Tigre amarrou
seu burro no pau da barraca de Abel e passando um caminhão o burro se assustou
com o barulho do motor em funcionamento e saiu correndo no meio da feira
arrastando a madeira da barbearia de Abel e ele e seu freguês ficaram embaixo
da lona e quando conseguiram se desvencilharem da cobertura tiveram que
enfrentas as risadas dos amigos e feirantes.
Um dos famosos barbeiros, o
senhor Timóteo viu Abel trabalhando e o convidou para trabalhar com ele em uma
barbearia que ficava entre o Hotel Cacique (de propriedade de Dona Zira) e o
Hotel Baiano ( de Antonio Baiano).
Da frente do salão saía o
caminhão pau de arara de Amaury, filho de Seu Lúcio. Um dos passageiros que ia
viajar cortou o cabelo com Abel e o convidou para ir pra cidade de Três Marias
e como Abel tinha nessa cidade o irmão Fernando, ele falou com o pai que o
liberou para ir a viagem. Depois de um ano
e oito meses Abel retornou a Paulo Afonso e seu cunhado Nelson Barbosa
Lima comprou o salão de Bento, que ficava vizinho a gráfica Jatobá, na Rua do
Coqueiro.
Mais uma vez um freguês que
gostou do trabalho de Abel e que era de São Paulo o convidou para ir trabalhar
“Na Cidade Grande” e Abel mais uma vez partiu na aventura. De São Paulo Abel
seguiu foi pra Santos e por coincidência, chegando lá, encontrou o conterrâneo
Toninho de Doralice, que o levou até o salão do amigo Manuel (Maneco), na Rua
Conselheiro Nébias, onde Abel começou a trabalhar. Corria o ano de 1959.
Maneco era o famoso barbeiro
que cortava o cabelo do “Maior Atleta do Mundo”, o mundialmente conhecido Pelé.
Em uma dessas passagens do Rei do Futebol pelo salão de Maneco, o Rei Pelé lia
um jornal enquanto aguardava Maneco finalizar a barba de outro freguês, nesse
espaço de tempo chegou um rapaz e pediu para que Abel cortasse seu cabelo
igualzinho a Pelé. O jogador tirou o jornal que cobria o rosto e olhando para o
rapaz deu um sorriso e ficou observando Abel realizar o famoso corte “Jack Demis”.
Quando Abel pegou o espelho pra mostrar cabelo ao freguês Pelé falou:
-
O rapaz corta bem! O rapaz corta muito bem Maneco e eu vou cortar hoje com ele
aqui!
Desse dia em diante Maneco
perdeu o freguês famoso e Abel ganhou as graças do Rei do Futebol. Tornaram-se
tão amigos que Pelé sempre que ia jogar em Santos levava três ingressos para
Abel, alertando:
-
Um ingresso pra você, outro para sua noiva e outro para seu cunhado pois só
assim o sogro libera a moça, pois ele
não vai deixar ela sair sozinha com você
não!
Em 1962, no dia que Abel
falou a Pelé que iria retornar para Paulo Afonso, Pelé ficou triste e disse:
-
Tome aqui meu telefone e se algum dia você decidir voltar pra cá eu mando o
dinheiro para custear sua viagem!
Abel voltou e foi trabalhar
com o cunhado, depois casou com Percilânia e teve seis filhos. Tempos depois
trabalhou com os irmãos Zé e Nezinho.
Em seguida comprou um curral
no Mulungu e construiu um sítio onde hoje é sua residência e comercio. Um dos
fregueses assíduos de Abel há mais de 40 anos é Antonio Galdino, diretor do
Jornal Folha Sertaneja.
Desde 1980 eu só corto meu
cabelo com Pitú, na vila Barroca.
Abel ainda vive e trabalha
no Mulungú, recorda sempre dos amigos de profissão: Gabriel (seu irmão),
Dílson, Adauto, Zé, Nezinho, Zé Caetano, Mané Pereira e Zé Fernandes.
A máquina que por anos Abel
cortou o cabelo do “Maior Atleta do Mundo” ele me presenteou para ser exposta
no futuro Museu do Nordeste.
O fotógrafo Sebastião
Ferreira ainda faz suas fotos no prédio aonde chegou em 1972, na Rua São Pedro,
342 e seu irmão Miro trabalha na Rua Alves de Souza.
Esses homens que permanecem
lutando contra o tempo e suas modernidades são dignas de nossos respeitos e
suas profissões que são culturas quase esquecidas merecem o registro na
história que as perpetuarão na memória do coletivo, para o entendimento do
desenvolvimento de nossa sociedade.
Paulo Afonso, 29 de março de
2016
João de Sousa Lima
Historiador e Escritor.
Membro da ALPA – Academia de
Letras de Paulo Afonso – cadeira 06
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