sexta-feira, 23 de julho de 2010

Luiz Gonzaga, o Rei do Baião é homenageado em Paulo Afonso, Bahia, durante o evento Semana Cultural


 

A majestade do rei do baião não lhe caiu do céu nem foi obra do autoritarismo de algum déspota. Luiz Gonzaga, o Seu Lua, conquistou o reinado com a criatividade de quem transformou a vida dura do sertanejo em melodia, alegrando toda gente com seu modo inconfundível de tocar, e arrebatou multidões. A coroa lhe foi concedida em 1945, quando fez, do somatório do choro da sanfona, do grave da zabumba e do agudo do triângulo, nascer o baião. Tornou-se o grande difusor desse ritmo e levou o Nordeste à primeira divisão do repertório nacional. O jornalista Carlos Rennó, que fez um site sobre a vida e a obra do compositor (www.uol.com.br/ luizgonzaga), explica que a origem desse gênero vem do cancioneiro popular nordestino. Chama-se "baião" o rápido intervalo de que, quase imperceptivelmente, o repentista lança mão entre uma parte e outra do improviso. "O termo baião, sinônimo de 'rojão', designa as células rítmicas que o violeiro-cantador toca na viola, ao afinar o instrumento, antes de começar a cantar", esclarece Rennó. "É o mesmo som que faz quando, no meio do desafio, espera vir a inspiração para novos versos. Com esse ritmo, ele preenche o espaço entre uma estrofe e outra." O casamento bem-sucedido dos tradicionais instrumentos das toadas sertanejas foi a primeira consagração da genuína música do interior nordestino pelo País afora. "Dentre aqueles gêneros diretamente criados a partir da matriz folclórica, está o baião e toda sua família", escreveu Gilberto Gil no prefácio da biografia Vida do Viajante: a Saga de Luiz Gonzaga, de Dominique Dreyfus (Editora 34). "E, da família do baião, Luiz Gonzaga foi o pai." E a prole é grande. A começar pelo próprio Gil, o legado de Luiz Gonzaga se estendeu a nomes que, hoje, brilham na MPB. Descendentes diretos e indiretos da linhagem do mestre. Entre eles Hermeto Paschoal, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gal Costa, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Belchior, Fagner, Quinteto Violado e até Raul Seixas. Isso sem contar nomes mais recentes, como Mestre Ambrósio e os roqueiros desbocados do grupo Raimundos. Todos têm, em maior ou menor grau, seu débito com a obra do "magnífico Lua, destinado a brilhar para sempre e refletir-se na música de criadores mais novos que se banham na luz de seu som", como escreveu Carlos Rennó.


No pé da serra
Luiz Gonzaga do Nascimento foi menino da roça, filho de Januário, sanfoneiro e lavrador da Fazenda Caiçara, que ficava no pé da Serra do Araripe, na zona rural de Exu, Pernambuco. Cresceu ouvindo a sanfona do pai, que lhe ensinou a "domar" o instrumento grande e pesado. Era ainda criança quando começou a acompanhar Seu Januário nos bailes pelo sertão. Desde então, nunca mais largou a sanfona. Gonzagão, como também ficou conhecido, saiu de casa aos 18 anos para servir ao Exército, em que ficou até o final da década de 30, quando decidiu ganhar o Sul maravilha. Migrante pobre, não podia imaginar que o Brasil da chuva e das grandes cidades - muito diferente da rudeza de seu Nordeste - pudesse escutar as mesmas canções que o povo de lá do pé da serra ouvia. Por isso, recém-chegado, largou o forró e adotou o tango, o bolero e até a valsa como repertório. Nessa época seu público era formado pelos freqüentadores dos bares cariocas e pela platéia do programa de calouros de Ary Barroso, na Rádio Tupi, dos quais participava sem nenhum sucesso. O desempenho era sempre pífio e as notas recebidas, insignificantes. Depois de várias tentativas frustradas, veio a luz: por que não fazer o que ele conhecia tão bem? Aquela música do pé da serra que ele fazia como ninguém? Foi ao Calouros em Desfile, de Ary Barroso, e arriscou. "O que você vai tocar hoje, valsa ou tango?", perguntou Ary ao ver mais uma vez aquele rapaz de cara redonda tentando a sorte em seu programa. "Nem tango, nem valsa, uma coisa lá do Norte, o Vira e Mexe", respondeu o calouro. "Então, 'arrevire' e mexe aí", brincou o apresentador. No fim da música, Gonzaga não podia crer nos aplausos do estúdio e na voz que anunciava a "nota 5", conceito máximo que vinha acompanhado de um prêmio de 150 mil réis. Assim, Luiz Gonzaga foi descoberto pelo público e fez também sua descoberta: nada mais de tocar os hits da época. No Sul havia, sim, espaço para o que o povo tocava lá sua região. "Naquele bendito domingo, o maior êxito de Gonzaga foi o de ter afirmado, com personalidade própria, sua originalidade, interpretando não aquilo que estava na moda, como fazia nos bares e nos dancings, nas esquinas das ruas e nos programas de calouros, mas o que ele próprio estava a fim de tocar", observa Dominique Dreyfus, biógrafa do sanfoneiro.


De calouro a astro
Em meados dos anos 40, o Brasil passava por um intenso desenvolvimento de estações de rádio, o que criava espaço para a diversidade musical que abarcava os tangos e boleros e, a partir de Luiz Gonzaga, a música popular do Nordeste. Não tardou para ele participar de discos de outros músicos. No ano de 1941, lançou seu primeiro disco-solo, pela RCA Victor, com quatro músicas, entre elas Xamego, que nada mais era do que Vira e Mexe agora com letra de Miguel Lima, o primeiro a compor com ele. Foi, no entanto, em 1945, que ele conheceu um de seus mais importantes colaboradores, o cearense Humberto Teixeira. Com essa parceria, em 1945 - já músico consagrado no Rio de Janeiro, com programa no rádio e apresentações nos lugares mais badalados -, ele definiu o baião como novo gênero no cenário musical brasileiro. O auge durou aproximadamente de 1945 a 1955, período em que Luiz Gonzaga conquistou e consolidou uma imensa popularidade tanto nas zonas rurais como nos centros urbanos do País. Nesse período, além de Humberto Teixeira - com quem gravou clássicos como Baião (1946), Asa Branca (1947), Juazeiro (1949), Assum Preto, Paraíba, Respeita Januário e Baião de Dois (todas de 1950) -, Gonzaga encontrou outra figura importante em sua carreira, o pernambucano Zé Dantas. Segundo Rennó, quem observa a obra do sanfoneiro nessa fase pode notar um cunho muito mais politizado nas canções. "Neste encontro, seu trabalho ganha notadamente um conteúdo social. As músicas passaram a abordar problemas do Nordeste", afirma. São desse período também A Volta da Asa Branca (1950), Algodão e Vozes da Seca (1953) e Paulo Afonso (1955). Uma parceria profícua que produziu 43 composições. Luiz Gonzaga chegou ao fim dos anos 40 como uma das maiores estrelas do Brasil. Um dos primeiros fenômenos de massa de que o País teve notícia, principalmente devido ao grande sucesso de Asa Branca. Sua vida passou a ser preenchida por grandes turnês pelo Brasil, o que o tornou um viajante inveterado, como descreveu em A Vida de Viajante, parceria com Hervê Cordovil, já em 1981, nos versos "Minha vida é andar por esse país/pra ver se um dia descanso feliz". Em 1953, Luiz Gonzaga transformou-se em figura-símbolo do sanfoneiro no imaginário coletivo. Inspirado por Pedro Raimundo, que tocava músicas de sua região com roupas típicas de gaúcho, Gonzagão passou a se apresentar vestindo a indumentária baseada nas vestes de Lampião, e transformou o chapéu de couro e o gibão (casaco) em peças definitivas no hall da fama da música brasileira.

"Luiz Gonzaga é um ícone da música brasileira. Seu nome é sinônimo de música nordestina, foi fundamental na divulgação desta musicalidade para o resto do país. Quando o Mestre Ambrósio surgiu cada integrante trazia influências diferentes, mas ele estava presente na vida de todos. A sanfona, zabumba e o triângulo de suas canções formaram a base das nossas."
Sérgio Cassiano, do Mestre Ambrósio

"Luiz Gonzaga é rei do baião, do rock, do rap e trip hop. Este CD mostra que as lições do mestre foram aprendidas com perfeição. O melhor exemplo disso é Cacimba Nova, um dos maiores e mais angustiantes clássicos de Gonzagão que casou perfeitamente com a voz rasgante de Siba, do Mestre Ambrósio."
Crítica publicada no Jornal do Commercio (dez. 1999) sobre o CD Baião de Viramundo, em que expoentes da música pernambucana, como Nação Zumbi, Mundo Livre, Mestre Ambrósio, Cascabulho (foto), prestaram homenagem a Seu Lua.

"Ali foi uma sorte que eu tive na vida. Eu conheci Luiz Gonzaga quando tinha 8 anos, em Garanhuns, minha terra. De repente, fui para o Rio de Janeiro com meu pai e meus dois irmãos. Lá eu fui pra casa de Gonzaga e ele praticamente me adotou. Se pudesse voltar no tempo queria conviver com ele novamente."
Dominguinhos, um dos mais consagrados sanfoneiros brasileiros da atualidade

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