PINTO DO MONTEIRO |
O POETA E O CANGACEIRO.
Nasci no Pajeú das Flores, em São José do
Egito, Pernambuco, berço fecundo de cantadores violeiros. Meu avô paterno, Serafim Piancó, foi um dos
fundadores da vizinha cidade de Itapetim, outro grande foco de repentistas. Convivi
muito com cantadores, sendo que em Paulo Afonso, Bahia, a casa do meu primo
João Piancó, era um dos lugares mais visitados pelos grandes mestres do repente
e da viola. No casarão às margens do Rio São Francisco, vi por diversas vezes o
Jó Patriota, Ivanildo Vila Nova, Sebastião da Silva, Sebastião Dias, Manuel
Filó, João paraibano, João Furiba, Severino Ferreira, Louro do Pajeú, Zezé Lulu,
Heleno Rafael e Gilberto Alves.
Na década de 70 o meu irmão José de Sousa
Lima (Zezé) trouxe o grande poeta João Batista de Siqueira “Cancão”, pra vir a
Paulo Afonso conversar com o empreiteiro Pedro Ferreira, dono da SACOL, empresa
que prestava serviço a CHESF, pra ver a possibilidade de Pedro financiar a
impressão do seu livro “Meu Lugarejo”. O
famoso Cancão ficou hospedado na casa do meu primo João Piancó, na Rua
Ribeirão.
Pedro Ferreira disse que patrocinaria o
livro se Cancão fizesse uma poesia sobre Paulo Afonso e Cancão aceitou a
condição. No outro dia cedinho Zezé levou Cancão pra ver os trabalhadores em
ação dentro das usinas e ai o fenomenal poeta se inspirou e fez a poesia em
doze estrofes em decassílabo que começava assim:
LINDA CIDADE FLORIDA
DE DESLUMBRANTE
PAISAGEM
EM TEU COMEÇO DE VIDA
RECEBESTE ESTA
HOMENAGEM
LARGA PLANÍCIE RELVOSA
SE MISTURANDO NAS ROSAS
COLIBRIS DE VÁRIAS
CORES
PRINCESA DO SÃO
FRANCISCO
FOSTE CRIADA NO RISCO
DA MÃO DE TEUS
BENFEITORES...
Foi Cancão, sem sombras de dúvidas, um dos
gênios da poesia Nordestina. Como lembrança desse momento guardo uma foto e o
livro que Cancão presenteou a minha mãe Rosália de Sousa Lima.
Em uma viagem que fiz à São José do Egito
na companhia de João Piancó, na década de 80, fomos depois fazer uma visita ao
maior cantador de repente, o velho Pinto do Monteiro. Pinto conversou durante
vários minutos com João Piancó e depois o presenteou com uma fotografia onde
aparece ele recebendo a “Viola de Ouro”, das mãos do General Humberto
Peregrino, no Teatro Santa Rosa, em João Pessoa, Paraíba.
Tempos depois me lembrei dessa fotografia
e perguntei por ela a Maria do Socorro Sousa, viúva de João Piancó e minha
prima por parte de minha mãe. Socorro vasculhou o acervo deixado por João e lá
estava a fotografia que de pronto me foi presenteada.
Olhando a velha fotografia em seus
detalhes, vi que no verso têm alguns recortes de jornais falando de poesias
populares e uma carta colada. Observando mais atentamente a carta tive uma
grata surpresa: Pinto do Monteiro Cantou pra Lampião.
O cangaço é um tema que estudo há tempos e
ver essa ligação do maior poeta repentista com o cangaceiro mais afamado do
nordeste causou certo espanto. Das histórias que envolvem cantadores com
cangaceiros eu só havia ouvido falar que o poeta Cego Aderaldo passou um filme
para os cangaceiros, porém é uma história que não consegui comprovar com alguém
que realmente tenha vivido esse momento.
Consegui ler em partes a carta e pra
decifrar o restante da missiva recorri ao velho companheiro de jornadas, o
professor Edson Barreto, exímio no reconhecimento de caligrafias quando elas
fogem da minha interpretação.
A carta está incompleta
e com alguns erros de gramática, além de
em alguns pontos complicar o entendimento e embaralhar as palavras. Da
forma que a entendemos diz:
EM 1926 PINTO MORAVA EM
SERTÂNIA
EM MAIO UM CABRA DE
LAMPIÃO O VEIO
CHAMAR NA CASA DE
FELINTO BERNARDO, A NOITE PARA ELE IR CANTAR COM LAMPIÃO PERTO DO POVOADO ALGODÕES,
PINTO FOI AMIGO DE LAMPIÃO NA SERRA VERMELHA E SERRA TALHADA.
AVISOU AO DELEGADO DE
ENTÃO VULGO SARGENTO CANELA DE AÇO
QUE PERGUNTOU; VOCÊ
VAI?
- UM SIGILO ACIM (sic)
- EU VOU LEVAR UM COM
VOCÊ E LEVAR A PÉ PARA VILA DE RIO BRANCO CORTANDO CAMINHO PELA SERRA DO
MACHADO PRA ENCURTAR O CAMINHO.
CANELA DE AÇO
SARGENTO ALTO MORENO.
Assim termina a carta e permanece a dúvida
se realmente esse encontro aconteceu. Se a verdade existiu os protagonistas as
levaram com eles. Fica em nossos pensamentos
apenas a certeza do registro encontrado
no verso de uma antiga fotografia que mostra em sua imagem o auge do maior
poeta repentista de todos os tempos: O VELHO PINTO DO MONTEIRO.
Duas figuras que deixaram suas histórias
gravadas nas memórias do povo nordestino. De um lado um grande poeta da rima e
do repente, do outro um homem que decidiu viver pela força da arma, à margem da
lei. Um travava suas batalhas pelas
cordas da viola, através das rimas latentes combatendo e vencendo sempre seus
oponentes amigos. O outro guerreava nos campos vastos através do fogo e da
lâmina do punhal, vencendo e sendo vencido por grandes inimigos. Duas histórias
antagônicas: UM CANGACEIRO E UM POETA. Ligados pelo destino, em um momento onde
os versos ritmados da improvisação calou
momentaneamente os ecos das armas que ecoavam nas Caatingas do Nordeste Brasileiro.
João de Sousa Lima
Historiador e Escritor
Paulo Afonso, março de
2013
LAMPIÃO - WWW.JOAODESOUSALIMA.COM |
PINTO - WWW.JOAODESOUSALIMA.COM |
Tive muito em lhe conhecer.
ResponderExcluirEstou quase terminando de ler o livro Lampião em Paulo Afonso. É muito bom.
Liguei para vc várias vezes ão consegui falar. Gostaria do seu autógrafo nos livros, que esqueci de pedir.