A CIDADE DE PIRANHAS E A
AVENTURA DO RESGATE DO COFRE.
A cidade de Piranhas é uma das mais belas
cidades alagoana. A cidade respira história, desde as grandes embarcações que
vinham trazendo objetos e materiais do litoral para ser distribuídos na região
pelas locomotivas da Great West, através da Estrada de Ferro Paulo Afonso, que
subia e descia serras até a cidade de Jatobá de Petrolândia, passando pela
visita de D. Pedro II, quando em 1859 visitou a Cachoeira de Paulo Afonso,
sendo também de grande importância na história do cangaço.
Sem sombras de dúvidas, Piranhas é uma das
mais belas e admiráveis cidades de Alagoas.
Dia 10 de janeiro de 2017, eu convidei o
amigo Ivan Caetano, octogenário e ex-mecânico de avião da CHESF (um dos mais
inteligentes homens que conheci na vida, inteligência beirando a genialidade).
Tive a oportunidade de trabalhar oito anos com Ivan quando fui abastecedor de
aeronaves, trabalhando na Paulo Afonso Combustíveis.
Convidei Ivan Caetano tanto por sua amizade
quanto por ter o suporte de sua caminhonete Ford, F 1000, ano 1980, a “Velha
Trubana”.
Ivan e sua esposa Lenilda seguiram na
antiga Trubana e eu fui acompanhando no meu carro na presença do amigo Nilton
“Negrito”.
O
intuito de nossa ida até Piranhas, além de saborear o delicioso peixe nas
margens do rio São Francisco foi pegar um presente que ganhei de um amigo
político da cidade: Um Cofre que pertencia a Rede Ferroviária Great West.
Quando do fim da Estrada de Ferro de Paulo Afonso
o cofre ficou sob os cuidados de Valdemar Damasceno (Valdemar Damasceno era
telegrafista e foi quem passou o telegrama de Piranhas para a cidade de Delmiro
avisando da presença de Lampião nas proximidades: “TEM BOI NO PASTO”).
O cofre passou muito tempo guardado e
estava em um local de difícil acesso para locomoção, sem contar no peso
incrível que possui.
Chegamos até piranhas já depois do meio
dia, barriga avisando que já passava da hora do almoço e nossa parada primeira
foi no restaurante de Carlinhos, onde degustamos uma moqueca de surubim e uma
tilápia frita.
No restaurante encontramos “Nito”, um
velho amigo de travessias do São Francisco. Nito é simplesmente um dos mais
experientes barqueiros daquelas águas, conhecedor dos trajetos entre as corredeiras
e as pedras.
Falei a Nito o motivo de
nossa presença ali e ele sempre solícito saiu às pressas e retornou alguns
minutos depois com cinco caibros e uma corda. Diante de nossos olhares colocou
o material na caminhonete e falou:
-
Estou pronto, vamos lá!
Dirigimo-nos a pousada
Maria Bonita, onde Manuel “Bode”, gerente da pousada, nos aguardava e onde se
encontrava o cofre.
Eu, Ivan, Lenilda, Negrito e
Nito vencemos uma íngreme subida com inúmeros degraus. Na pousada Manuel e seu
irmão Lielson já nos aguardavam.
Começou ai uma grande
aventura. Com muito trabalho deslocamos o cofre de cima de um batente que fica
encostado em um paredão natural de pedra do ultimo apartamento da pousada. O
cofre pesadíssimo foi amarrado nos caibros por Nito e Ivan Caetano.
Ivan nos impressionou pela
agilidade, mesmo já tendo passado dos oitenta janeiros.
Com dois caibros do lado
direito e mais dois do lado esquerdo, eu, Manuel, Lielson, Ivan, Negrito, Nito,
tendo o apoio fotográfico de Washington, colocamos os caibros nos ombros e
descemos alguns batentes, caminho apertado. Em uma das passagens foi tão
difícil transpor que Ivan brincou:
- Com mais uma mão de tinta não daria pra passar!
As escadarias cheias de curvas apertadas,
o peso nas costas, os caibros se juntando e imprensando nossas mãos, paradas de
minuto em minuto, discussões para trocarmos idéias, cada uma mais mirabolantes
que outras. Uma das ideias mais loucas foi colocada por Negrito que queria
jogar o cofre de serra abaixo e esperarmos ele embaixo. Conversando, ouvindo Ideias, fomos vencendo a escadaria na força bruta mesmo, degrau a degrau,
minuto a minuto, parada a parada.
Lenilda seguindo o cortejo e
sempre lembrando Ivan:
-
Olha o esforço, olha a idade, cuidado com a pressão, você já não é um menino!
Por incrível que pareça, era Ivan o mais
ágil entre todos. Abaixava-se, ajustava o cofre, apertava os nós, punha os
caibros nos ombros e dava a ordem:
-
Vamos lá, estamos chegando!
Corpos
suados, cansados, algumas partes arranhadas, uns mais cansados que outros.
Vencemos a última ladeira e foi uma alegria imensa quando avistamos um pouco
abaixo a “Trubana”.
Abrimos a tampa da
carroceria e vencemos o ultimo obstáculo. O cofre estava seguro. Um
contentamento invadiu os corpos cansados. Refizemo-nos e descemos cruzando o
centro histórico e indo hidratar os corpos suados e cansados.
Entre a água de coco,
refrigerantes e cervejas cada um dava sua versão da aventura, zombavam da mão
presa do amigo nos caibros e cordas, das pernas cambaleantes diante do peso, da
engenharia sem sucesso de alguns. A etapa estava vencida. Lutaram todos.
Venceram todos.
Despedimo-nos dos amigos e
seguimos viagem, aventura longe de ter acabado. Ivan ia liderando o pequeno
comboio. Em uma das curvas na subida várias motos paradas. Do lado esquerdo uma
moça no chão com uma criança nos braços, todas ensanguentadas. Parei o carro e
corremos, eu e Negrito, para socorrer as
vítimas. Um mototaxista estava ficando em pé com dificuldades mais já amparado
por um companheiro. Coloquei a criança que chorava copiosamente nos braços e a acomodei
no banco traseiro do veículo, retornei, levantei a moça, tirei a camisa e
enrolei em sua mão esquerda que sangrava muito, enlacei seu braço em meu
pescoço, abracei em sua cintura e a assentei ao lado da criança. Ivan que me
aguardava um pouco acima, pedi que fosse adiantando a viagem e me esperasse no
museu de Delmiro Gouveia e segui para o hospital da vila Xingó. No trajeto
fiquei sabendo o nome da criança: Anne.
Diante de suas lágrimas eu
tentava a todo custo acalmá-la. Ela falava que tinha medo de sangue, que não
queria ver sangue, pedia para que não deixasse aplicar injeção nela e eu
prometi (mesmo sem saber se poderia cumprir minha promessa) que não deixaria
aplicar nenhuma injeção, mais ela teria que parar de chorar. Fiquei sabendo que
a moça era irmã de Anne e que seu nome era Raíssa. Chegamos ao hospital,
coloquei Anne nos braços e entrei sendo logo atendido por várias enfermeiras. Raíssa foi colocada em uma cadeira de rodas pela dificuldade que tinha em se
locomover em decorrência de uma forte pancada no joelho direito.
Anne chorava, mesmo eu
dizendo que Tio João só a largaria quando ela estivesse boa. As enfermeiras
pediram que eu entrasse com Anne em uma das salas. A enfermeira pegou gazes e
uns líquidos e começou a limpar o sangue que tomava conta do corpo da criança.
Uma grata surpresa quando ficamos sabendo que o sangue não era de Ane e sim o
sangue de Raíssa que havia ensopado sua irmã enquanto ela a agarrava e a
protegia com seu próprio corpo.
Anne abriu momentaneamente um
sorriso quando soube que não tomaria injeção. Até riu sentindo cócegas enquanto
a enfermeira limpava sua barriga com um liquido, segundo ela, friozinho.
A preocupação passou a ser Raíssa que empurrada por Negrito seguiu na cadeira de rodas para o Raio X.
O médico veio ver Anne e
pediu que ela fizesse uns movimentos na mão direita, mão que ela alegava estar
doendo. Não foi diagnosticado nada em Anne e mais uma vez ela sorriu.
Ficamos sentados no corredor
do hospital e Anne sempre perguntado por Raíssa e eu tentando confortá-la,
dizendo que Raíssa estava bem e que estava vindo para irmos para casa.
No fim do corredor apareceu
Negrito empurrando Raíssa com umas “CHAPAS” em uma das mãos. O médico olhou os
exames e pra felicidades de todos, Raíssa só sofrera escoriações no joelho e
nos dedos da mão esquerda.
Levei Anne até o carro e
Negrito trouxe Raíssa. As acomodamos e fomos deixá-las na casa dos avós, na
vila Xingó, por trás do pátio da feira livre.
Agradecimentos e despedidas
e seguimos viagem. Já na estrada o sistema nervoso me cobrou o preço da ação e
me emocionei lembrando Anne. Veio na mente a lembrança de minhas duas filhas.
Depois lembrei o sorriso de Anne e essa lembrança me confortou. Um silêncio
profundo dentro do carro e fomos avistando Ivan e Lenilda, encostados na
carroceria de Trubana. Contamos sobre todo o ocorrido e já com a noite chegando
seguimos nossa viagem.
Às dezenove horas chegamos a Paulo Afonso,
me despedi de Ivan, Lenilda e Negrito e fui pra casa. No aconchego do lar,
relembrando a agitada aventura, recordei das lágrimas de Anne, mais também do
seu doce sorriso. Pedi a deus que a protegesse sempre.
Rememorei o cofre, o peso
nele contido, a história por trás da aventura, a descida difícil, o trajeto
vencido, o suor nos rostos, as falas, da saúde, agilidade e lucidez do meu
querido Ivan Caetano. Dentre tudo vivido, nada me marcou mais que o sorriso da Anne e a vitalidade de Ivan e quando chegar ao fim da vida, se velhinho eu for
pela graça de Deus, poderei contar aos netos, que em um dia passado, eu vivi
uma grande aventura, a aventura do cofre, nas terras da bela Piranhas e que
nesse dia a inocência de Ane e a idade de mais de oitenta anos do amigo Ivan,
refletidos na vasta cabeleira prateada, feito reluzente raio luar refletido na
água doce do Velho Chico, me proporcionaram, no trajeto da vida, uma inesquecível
e doce aventura.
João de Sousa Lima
Historiador e Escritor
Paulo Afonso, 16 de janeiro
de 2017
É muito gratificante fazer o bem,por esse motivo eu escolhi ser enfermeira,essa relação de acolhimento para com o outro só quem realmente tem humanismo na alma...
ResponderExcluirAtt:
Enf: ALINE MELO
É muito gratificante fazer o bem,por esse motivo eu escolhi ser enfermeira,essa relação de acolhimento para com o outro só quem realmente tem humanismo na alma...
ResponderExcluirAtt:
Enf: ALINE MELO
Olá João, gostaria de comprar o seu livro sobre a usina de Paulo Afonso e da Usina de Angiquinho, mande-me um email: andrearoeirap@gmail.com
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