Folha Sertaneja - Paulo Afonso - BA
12/03/2009 - 02:40
Folha Sertaneja - ESPECIAL - MARIA BONITA e o cangaço: cem anos de História
Antônio Galdino
Benjamim Abrahão Maria Bonita na caatinga posando para Benjamim Abrahão
UNEB e Prefeitura de Paulo Afonso realizam seminários do Centenário de Maria Bonita
A temática do cangaço e a vida de Lampião têm merecido estudos cada vez mais intensos. Nas universidades, é tema de mestrados e doutorados pelo mundo afora. A literatura, e desde a sua contemporaneidade, os folhetos de cordel, espalham os feitos do Rei do Cangaço e de muitos dos cangaceiros que cruzaram o Nordeste desafiando o Brasil Oficial ou a seu serviço.
O cinema, ao longo de décadas, tem mostrado a figura do cangaceiro, real ou caricata, para consumo de milhões de pessoas, como O Cangaceiro, de Lima Barreto, de 1953, com diálogos de Raquel de Queiroz, o primeiro filme sobre o tema cangaço e ganhador de vários prêmios internacionais, inclusive o Festival de Cannes daquele ano. Na internet, o tema ganha milhões de páginas, milhares de sítios (sites).
Tão intensa é a procura pelo assunto que, ao lado de escritores e estudiosos sérios têm aparecido oportunistas que criam fatos e enredos gerando conflitos entre a verdadeira história e as invencionices mais absurdas que povoam o imaginário popular. Benjamim Abrahão Posando, no meio da caatinga
E a história ganha contornos contraditórios, o que leva o jornalista e professor de História da UFP, Mário Hélio a afirmar que "há, obviamente, um Lampião real, e um outro, muito mais vivo e forte que este, mítico." E acrescenta, na Apresentação do livro "De Virgulino a Lampião" de Vera Ferreira e Antônio Amaury, que "ainda está aberto a exame o que há de mítico e de real em Lampião e no cangaço, num trabalho de história comparada, interdisciplinar pela sua própria natureza".
Se o tema "cangaço" ou "Lampião" merece milhões de páginas em sites como o Google, bem menor tem sido o espaço dedicado ao estudo da presença da mulher como parte integrante desse universo.
O escritor Antônio Amaury, em seu livro "Lampião: as MULHERES e o Cangaço", DE 1984, mostra, segundo Franklin Maxado ao apresentar este livro, "o lado sexual ou o das mulheres no cangaço, lado pouco explorado desse mundo".
Em 1997, Ilda Ribeiro de Souza, a cangaceira Sila, assina o livro "Angico, eu sobrevivi – confissões de uma guerreira do cangaço". Mais adiante, em 2003, Antônio Amaury destaca a importância da cangaceira Dadá, valente, guerreira, companheira do "Diabo Louro" e sua privilegiada memória que lhe permitiu conseguir informações importantes sobre o cangaço nos muitos meses em que ela foi sua hóspede, em São Paulo e escreve "Gente de Lampião: Dadá e Corisco".
Mais recentemente, em 2005, João de Sousa Lima focou suas pesquisas em Maria Bonita, e escreveu "A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço" e em 2007 escreveu "Moreno e Durvinha, sangue, amor e fuga no cangaço".
Benjamim Abrahão Maria Bonita, o sorriso da guerreira
E o que dizer de Maria de Déa, Maria Bonita, a Rainha do Cangaço, que ousou deixar um marido com quem se casara ainda adolescente, rompeu os paradigmas de sua época, abandonou os costumes, tradições e feriu a honradez da família ao optar em acompanhar Lampião e viver uma vida de confrontos com a polícia, fugas pela caatinga, sem a paz suficiente para manter vivos em seu ventre os filhos gerados e poder sequer ser a mãe presente na vida de sua menina, Expedita, criada por amigos?
Como compreender essa mulher que nasceu em 8 de março de 1911, data em que se comemora, em todo o mundo, o Dia Internacional da Mulher?
A ela, quando mandou de volta o irmão que queria entrar no cangaço é atribuída a frase: "desgraçada por desgraçada aqui, basta eu". O Cangaço, especialmente para as mulheres, era um caminho sem volta?
Foi para buscar mais compreensão sobre a trajetória de Maria Bonita que a Universidade do Estado da Bahia e a Prefeitura de Paulo Afonso uniram suas forças, buscaram parceiros, convidaram estudiosos do tema e promovem o I Seminário Internacional – O Centenário de Maria Bonita.
A grandiosidade do tema levou um grupo de estudiosos de Paulo Afonso, como o Professor/Doutor Juracy Marques, atual diretor da UNEB – Campus VIII, os escritores João de Sousa Lima, Antônio Galdino, também diretor do jornal Folha Sertaneja, Roberto Ricardo, presidente do IGH, Professor Edson Barreto, a trabalhar a idéia de se fazer o Seminário Internacional – O centenário de Maria Bonita, nesses três anos, até 2011.
organiza-se então o I Seminário, em 2009, no período de 3 a 8 de março, reunindo pesquisadores e estudiosos da região. Haverá debates com escritores regionais, exibição de documentários, exposição de livros, revistas e jornais sobre o tema, além de apresentação de musicais e encenação teatral.
E há interesse de participação, nos próximos seminários, de pesquisadores franceses e alemães e cineastas e grandes empresas de comunicação, tendo em vista a grandiosidade do tema. O evento, organizado pela UNEB – Campus VIII e Prefeitura Municipal de Paulo Afonso, conta com o apoio da Chesf, Sesc Ler, 1ª Cia de Infantaria, IGH, SEBRAE, SBEC e jornal Folha Sertaneja
Nos anos seguintes o II Seminário, em 2010 e o III Seminário em 2011, terão uma dimensão muito maior, realmente internacional.
Lampião andou por sete estados nordestinos Paulo Afonso – território privilegiado, habitat natural de cangaceiros
A região de Paulo Afonso possui um cenário privilegiado onde se podem encontrar centenas de pessoas que ainda falam, por conhecimento próprio ou por conhecerem de familiares contemporâneos de Lampião e Maria Bonita, sobre os movimentos dos cangaceiros e das volantes por estas terras.
Nos vários povoados do município de Paulo Afonso e ainda em Glória e outras cidades vizinhas, o escritor João de Sousa Lima, autor de "Lampião em Paulo Afonso", "A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço" e Moreno e Durvinha – Sangue, amor e fuga no cangaço", encontrou-se com dezenas de cangaceiros, coiteiros, seus parentes e descendentes e guarda com carinho muitas horas de entrevistas em áudio e vídeo com depoimentos que ajudam a conhecer um pouco mais da vida dos que faziam parte dos vários bandos de cangaceiros e dos que militavam nas tropas das volantes que andavam no seu encalço.
O escritor possui também farto material pertencente aos cangaceiros e volantes que estarão sendo no acervo do Museu Regional do Sertão que será construído pela Prefeitura Municipal de Paulo Afonso. Pessoas como a cangaceira Aristéia Soares de Lima que nasceu em 23 de junho de 1916 em Capiá da Igrejinha, no município de Canapi, Estado de Alagoas e que, embora nunca tenha conhecido Lampião, percorreu a caatinga alagoana no Bando de Moreno e Durvinha e conta histórias dos tiroteios e das fugas no sertão tem acompanhado João Lima em suas palestras pelo Brasil.
Hoje, beirando os 93 anos, lúcida, alegre, mora no Jardim Cordeiro, ao lado da Ponte D. Pedro II onde recebeu, em 18 de fevereiro de 2009, a reportagem da Folha Sertaneja, levada pelo escritor João de Sousa Lima, e nos concedeu longa entrevista.
Na preparação desta matéria especial, sempre acompanhado do escritor João de Sousa Lima, fomos a Carqueja, município de Floresta. Ali mora o Ten. João Gomes de Lira um dos mais ferrenhos perseguidores do bando de Lampião. Homenageado pelos seus feitos, com diplomas e comendas, o Ten. João Gomes ainda guarda com todo zelo e cuidado a arma e a farda que usou nas muitas léguas percorridas no sertão à busca do cangaceiro e seu bando.
O que viu está registrado em dois volumes do livro Memórias de um Soldado da Volante, publicados em 2007 pela Prefeitura Municipal de Floresta. Chegando aos 96 anos, o Ten. João Gomes Lira também nos recebeu em sua casa e sua memória privilegiada nos contou passagens dessa luta na dureza da caatinga.
Quem foi Maria Bonita?
Benjamim Abrahão Maria penteia os cabelos de Lampião
Em 08 de março de 2011 faz 100 anos que uma mulher, sertaneja, guerreira, nasceu na Malhada da Caiçara, hoje no Município de Paulo Afonso. Maria Gomes de Oliveira, filha de José Gomes de Oliveira, conhecido como José de Felipe e de dona Maria Joaquina Conceição Oliveira, conhecida como Dona Déa. A criança ficou conhecida como Maria de Déa e como é ainda hoje muito comum nas terras sertanejas, casou muito cedo, com apenas 15 anos, com um primo, José Miguel da Silva, conhecido como Zé de Neném.
O casamento atribulado, de muitas brigas e separações, pode ter favorecido a virada na vida da sertaneja da Malhada da Caiçara. Decidida e com o apoio da mãe, mesmo contra a vontade do pai, aceita o convite e acompanha Lampião em suas peripécias pelo sertão. Deixou de se chamar Maria Gomes ou Maria de Déa.
Passou a ser chamada de Maria de Lampião ou Maria do Capitão e se consagrou na literatura, nas canções da época, nos filmes e documentários, nas teses de mestrado e doutorado pelo mundo como Maria Bonita, a Rainha do Cangaço.
Destemida nas lutas diárias, companheira inseparável de Lampião, sabia impor respeito e a sua presença no bando trouxe mais leveza, mais feminilidade à aridez do sertão e dos homens do grupo. Há relatos que a sua intervenção, o seu instinto maternal ajudou a salvar vidas de homens que estavam na mira do mosquetão ou na ponta do punhal.
Coincidentemente Maria Bonita nasceu no Dia Internacional da Mulher e a amplitude do tema, o que representou a sua presença forte dentro do cangaço, numa época em que a mulher não possuía nenhum direito, a sua coragem de deixar um casamento desestruturado, uma família que regia seus atos debaixo de rigorosos conceitos de honra, continua merecendo estudos, livros, debates, seminários.
Lampião, Maria Bonita, o Cangaço: Um mito, uma lenda, uma grande história
Benjamim Abrahão Maria Bonita e Lampião
Passados 110 anos do nascimento de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião e 70 anos de sua morte cresce a cada momento o interesse de estudiosos e pesquisadores do mundo inteiro em conhecer mais sobre esse sertanejo, menino nascido na aridez da caatinga nas terras de Vila Bela, hoje Serra Talhada, em junho de 1898.
Certamente teria sido mais um sertanejo anônimo, tocador de roças, sofredor das secas, sonhador com a fartura das invernadas, não tivesse ele vivido, "num ambiente de violência gerada pela disputa de terras entre famílias inimigas daqueles lugares", como diz sua neta Vera Ferreira. Muito já se escreveu sobre ele e são inúmeras as formas como é analisado pelos que se aprofundam no tema. Temido por muitos, amado por outros tantos, sua figura virou um mito e um mito nunca morre.
A sua coragem, a determinação e os apoios que sempre recebeu de importantes coronéis da época, de poderosos do governo e do Pe. Cícero Romão Batista, o fez sobreviver às agruras do sertão. Andou por quase todos os Estados Nordestinos, - Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Alagoas e Bahia, com seu bando que variava de tamanho e se dividia em outros muitos de acordo com esta sua necessidade de sobrevivência.
Exímio estrategista ganhou respeito dos que formavam o seu bando. Autores sérios falam de técnicas por eles utilizadas nos combates e nas fugas que deixavam malucos os soldados que se embrenhavam pela caatinga, à sua procura. Por isso que os que pesquisam com seriedade sobre Lampião refutam a informação publicada por outros escritores de que a Furna dos Morcegos, existente na margem alagoana do cânion do rio São Francisco, ao lado da Cachoeira de Paulo Afonso, teria sido um dos seus coitos. Argumentam esses historiadores, entre eles João de Sousa Lima, que a Furna dos Morcegos tem apenas uma entrada e saída de difícil acesso e que, ao seu lado funcionava, até 1961, a Usina Angiquinho, com trabalhadores se movimentando a todo momento o que faria do coito um alvo fácil para a polícia.
Em entrevista publicada no site mantido pela neta de Lampião, Vera Ferreira e no seu livro "De Virgolino a Lampião" ele, que foi almocreve e tinha inegável habilidade no trabalho com o couro, diz "Estou me dando bem no cangaço e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos... Depois, talvez me torne comerciante".
As muitas histórias sobre Lampião chamado pelo poeta Ivanildo Vilanova de "herói, bandido e louco", levou sua neta Vera Ferreira a escrever, com o escritor Antonio Amaury o livro "De Virgolino a Lampião", "parte da história desse nosso personagem passada a limpo", como escreveu na dedicatória ao exemplar que me ofereceu.
Outro escritor sobre Lampião, Oleone Coelho Fontes, em "Lampião na Bahia" diz que "Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, foi quem introduziu o cangaço na Bahia. Sabe-se até a data em que o fenômeno aconteceu, fato singularíssimo na história: 21 de agosto de 1928, depois do meio-dia".
E acrescenta Oleone: "Verdade é que se Lampião nunca tivesse invadido a geografia baiana jamais teríamos tido aqui o fenômeno cangaceirismo que assolou de modo endêmico o outro lado do rio."
E foi do outro lado do rio São Francisco, nas terras baianas onde Lampião reinou absoluto por mais 10 anos. Foi do lado baiano do rio São Francisco que Lampião encontrou um coito seguro no Sítio do Tará, apoiado por "um dos maiores criadores da região, o Sr. Odilon Martins de Sá, conhecido por Odilon Café", como narra João de Sousa Lima em seu livro "A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço".
Nesse livro, que será lançado no I Seminário do Centenário de Maria Bonita, João diz ainda que o "Sítio do Tará passou a servir de base quando os cangaceiros empreendiam suas viagens aos estados de Alagoas e Sergipe" e que ali também morava "um dos principais coiteiros de Lampião, Antônio Felipe de Oliveira, tio da cangaceira Maria Bonita".
Diz ainda João Sousa Lima que nessas andanças para Alagoas e Sergipe, "Lampião passava pela Malhada da Caiçara, onde morava Maria de Déa, que tinha casado com apenas 15 anos e estava separada do marido, Zé de Nenen." "Numa dessas viagens, diz João, Lampião, que seguia um pouco à frente do seu bando, acompanhado de Odilon Café, pisou o batente da casa de Zé Felipe e Dona Déa.
Odilon apresentou a Lampião Maria de Déa". Segundo esse autor, aconteceu ali, nesse primeiro encontro, o seguinte diálogo:
- Você sabe bordar?
- Sei.
- Vou deixar uns lenços pra você bordar e volto daqui a duas semanas pra buscar!"
"Dias depois, de surpresa, os cangaceiros reaparecem na Malhada da Caiçara. Lampião recebeu os lenços bordados por Maria de Déa e suas irmãs, pagou o trabalho e tiveram uma longa conversa". João acrescenta que "quando Maria decidiu seguir Lampião ela estava no povoado Rio do Sal, cuidando da saúde de sua avó materna, Ana Maria".
Todas estas localidades – Sítio do Tará, Malhada da Caiçara, Rio do Sal e dezenas de outras citadas nos livros de João e de outros autores, estavam no lado baiano do Rio São Francisco e pertenciam ao município de Santo Antônio da Glória. Depois da emancipação política de Paulo Afonso em 28 de julho de 1958 passaram a fazer parte do território deste município.
A casa onde nasceu Maria de Déa, depois internacionalmente conhecida por Maria Bonita, na Malhada da Caiçara, a 38 quilômetros da cidade de Paulo Afonso, foi restaurada na gestão do Prefeito Raimundo Caíres, sob a supervisão de Luiz Rubem, outro escritor/pesquisador dos feitos dos cangaceiros na região e aberta à visitação em Setembro de 2006.
Aristéia Soares de Lima - ex-cangaceira
Antonio Galdino ex-cangaceira Aristéia Soares, 93 anos
A ex-cangaceira Aristéia Soares de Lima, que nasceu em 23 de junho de 1916, recebeu a reportagem do jornal Folha Sertaneja, levada pelo escritor João de Souza Lima, na casa do seu filho, no Jardim Cordeiro, no lado alagoano do Rio São Francisco, logo após a Ponte D. Pedro II.
Sempre alegre, sorridente, contas histórias dos tempos em que viveu no Bando de Moreno e da sua grande amizade com Durvalina, a cangaceira Durvinha, sua mulher.
Folha Sertaneja: Onde a senhora nasceu, D. Aristéia?
Aristéia - Nasci em Lajeiro do Boi, em Capiá da Igrejinha, em Canapi – Alagoas.
Folha Sertaneja – Porque virou cangaceira?
Aristéia - Entrei nessa vida porque ou a gente corria ou o cacete comia. A vida da polícia era matar o povo, esbagaçar com tudo. Nós sofremos muito por causa da polícia, meu pai apanhou tanto. Até morrer, meu irmão viveu com uma orelha faltando um pedaço de uma coronhada de mosquetão dado por um soldado. A polícia perseguia a gente que só o diabo. Eu vivia correndo com medo da polícia, me escondendo na caatinga, fui pra casa de uma tia lá dentro da caatinga. Óia, nós sofremos muito.
Folha Sertaneja – Aí, resolveu entrar pro cangaço...
Aristéia – Foi. Pro bando de Moreno.
Folha Sertaneja/João – No tempo em que estava nesse bando, tinha outras mulheres?
Aristéia – Só era eu, Durvinha e outra mulher, Quitéria, filha de Zé Demézio lá do Barro Branco.
Folha Sertaneja – E esse bando tinha quantas pessoas?
Aristéia – Seis ou sete depois ficamos sós nós quatro. Moreno, eu, Durvinha e Cruzeiro.
Folha Sertaneja – Como era a amizade do povo no bando. Sua amizade com Durvalina?
Aristéia – Durvinha, eita! (suspiro) A Durvalina era boa com a gente! Seja ela pra Jesus Cristo!
Folha Sertaneja/João – As fotos que Benjamin Abrahão fez de Lampião foram perto da roça do seu pai. A senhora conheceu Benjamin?
Aristéia – Ele andava lá na casa de uma velha, mãe de Otacília e a bicha tinha uma vontade tão grande que ele se casasse com ela. Mas oh bicho feio. Andava com uma bolsinha, uma atiracolo, assim de lado. Eu me lembro da bolsinha dele. Quando ele ia dormir lá não era pra ir nem lá na casa nem pra casa do meu tio. Não era pra andar de jeito nenhum. Ela tinha um ciúme danado, pra fia casar com ele. Mas logo, logo, mataram o Benjamin em Pau Ferro.
Folha Sertaneja – A senhora conheceu Lampião ou tinha vontade de conhecer?
Aristéia – Não conheci, nem nunca tive vontade de ver ele. Nenhum pingo de vontade.
Folha Sertaneja – A senhora também não conheceu Maria Bonita?
Aristéia – Não senhor, eu vi ela ali no retrato mas não achei essa boniteza demais não. A Durvinha era em primeiro lugar mais bonita das que eu todinhas. E vi Neném, mulher de Português, a de Pancada, que era doida, Dada, de Corisco, Nacinha de Gato...
Folha Sertaneja/João – A senhora estava na hora do tiroteio em que Cícero Garrincha foi baleado?
Aristéia – 'Tava, tava eu e um rebanho e nós corremos. Moreno foi quem ficou danado atirando. Nós corremos pra bem longe e ele caminhou muito. Quando já tava escuro ele caiu e ficou gemendo e pedindo água mas onde é que a gente ia buscar água pelo amor de Deus? Aí Durvinha tinha um frasco de água de cheiro e botava um pouco na boca dele mas ele logo morreu.
Folha Sertaneja – A senhora chegou a ser presa?
Aristéia – Não senhor. Eu fiquei debaixo de ordem, no mês de Maio. Em Julho, mataram Lampião.
Folha Sertaneja/João – E como foi que a senhora saiu do cangaço?
Aristéia – Porque mataram os do grupo que tava comigo aí Moreno disse: Quer ir embora? Eu disse: Quero. Aí ele disse – Vá embora com Deus e Nossa Senhora pra onde tá sua família. A minha família era em Santana, Campo Grande. Aí, eu fui embora. 'Tô morando há 4 anos aqui, com meu filho, netos, já tenho uma tataraneta mas sinto muita saudade da minha casinha lá no Capiá e de vez em quando eu vou lá.
(LEIA: "Moreno e Durvinha – Sangue, amor e fuga no cangaço" – João de Souza Lima – Editora Fonte Viva – Paulo Afonso-BA – 2007)
Tenente João Gomes de Lira
Antonio Galdino Ten. João Gomes de Lira, 95 anos
Saímos de Paulo Afonso, para Carqueja, antiga Nazaré, onde houve a maior repressão a Lampião na época do cangaço. As volantes que saíam dali eram conhecidos como "os nazarenos".
Acompanhado do escritor João de Sousa Lima fomos conhecer e gravar uma entrevista com o Ten. João Gomes de Lira, um dos últimos remanescentes daqueles tempos.
Nascido em 03 de julho de 1913 na Fazenda Jenipapo, distrito de Nazaré do Pico – Carqueja – Município de Floresta/PE nos recebeu com a peculiar simpatia do sertanejo, com direito a lanche e boas conversas. A sua casa, muito procurada por pesquisadores até do exterior, é quase um museu.
Ali está a farda dos seus tempos de combatente e, guardada a sete chaves, a seu Winchester 44, cuidada pelo caseiro e pelo filho. Fotos do tempo de militar da ativa, diplomas e homenagens estão espalhados pelos móveis e paredes da casa. O velho tenente nos recebeu na frente da casa, debaixo de uma frondosa árvore e nos contou, sem nenhum rodeio a sua versão dos acontecimentos, que estão publicados em dois volumes, com mais de 700 páginas com o título: "Lampião – Memórias de um Soldado de Volante".
Primeiro falou de seu estado de saúde: "Minha saúde não anda boa, embaraçada. Diabetes, nervos, coração" mas logo começou a relator o que viu nesses anos de luta.
Deixamos que ele falasse e um dos fatos que narrou com detalhes foi a chegada de Lampião, Antônio e Livino, distribuídos estrategicamente no lugarejo.
Ten. João Gomes de Lira – Aí, eles chegaram. Os três irmãos, todos armados. Lampião acolá, Antônio aqui e Livino ali do outro lado. Lampião ficava jogando o rifle pra cima e aparando e gritava: - Aqui hoje não me chora ninguém! Aí, Antônio respondia: - Se chorar eu acalento! E Livino respondia: - Bem baixinho! E ficavam repetindo.
Aí pai, (Antônio Gomes Jurubeba, que era Delegado) chamou eles e disse: - Não façam isso não. Hoje é dia de feira, vocês armados assim, o povo tá todo apavorado. Guardem as armas, vocês têm os inimigos lá, na Serra Vermelha. Aqui vocês não têm inimigos. Eles não vêm aqui e vocês podem ficar à vontade. E Lampião disse: - Pode dizer ao delegado que as armas estão guardadas em nossas mãos e nos ombros. Pode vir tomar. E pai disse: - Isso não é modo de se falar com Delegado. E Lampião disse: É isso mesmo!
Então pai falou: Se daqui a oito dias vocês voltarem com as armas podem se preparar pra gente trocar tiro aqui no meio do povo. Aí Lampião disse: - Junte seus cachorros e jogue em cima dos Ferreira pra você o peso dos Ferreira como é. Foi aí o começo da questão aqui, em 1917.
E continua, seguro, o Ten. João Lira: - Passados uns dias, eles foram pra Triunfo e dias depois resolveram vir pra cá. Os três irmãos Ferreira e mais outro cabra, também armado.
O pai de Lampião foi encontrar-se com eles e pediu pra não vir que aqui tinha soldados. Depois de muita insistência Lampião insistindo até que foi convencido de não entrar e saiu aqui por trás. Ali deram um tiro e a polícia foi ao encontro deles.
Meu pai juntou mais alguns parentes que tinham armas e foram ajudar a polícia. Eram os Flor, Euclides, Odilon, Arcôncio, Cícero Leite e trocaram tiros. Foi quando Livino Ferreira foi ferido. Os outros correram e Livino foi preso e levado para Floresta. Foi aí que o pai deles resolveu se apressar em vender as coisas pra ir embora.
O Ten. João Lira fala sobre o casamento de Licor, com quem Lampião tinha namorado mas veio para o seu casamento e teria carregado a sanfona e com isso acabado a festa. Falou da morte da mãe de Lampião, Maria Lopes "de aperreio" e do assassinato do pai José Ferreira dos Santos.
E a prosa continuou por quase uma hora, com episódios de enfrentamentos da força policial contra os cangaceiros, inclusive um de 1º de agosto de 1923. O ten. tinha então 10 anos. Em 16 de julho de 1931, com 18 anos entrou na carreira militar e já seguiu para a Bahia para atender um pedido de apoio do governo baiano. Seu comandante era o parente e compadre Manoel de Souza Neto sob as ordens de quem participou de muitos combates com o grupo de Lampião.
(LEIA: - "Lampião – Memórias de um Soldado de Volante" – Vol. I e II – João Gomes de Lira – editado pela Prefeitura Municipal de Floresta-PE - 2007)
Nenhum comentário:
Postar um comentário