O ÊXIMIO RASTREADOR DOS SERTÕES
Nos dias de hoje falar em pesquisa
pertinente ao processo histórico que contribui significativamente com a
configuração da cultura do Nordeste do Brasil, mais de perto, relacionada aos
sertões, com destaque para o tema cangaço e não passar pelo crivo do
historiador João de Sousa Lima – não desfazendo dos demais pesquisadores – é
dispor de menor ensinamento, pois este homem é sem sombra de dúvida dos maiores
Mestres da atualidade.
À luz do incansável rastreador e
investigador João de Sousa Lima efetiva-se um gostoso passeio pelos emblemáticos
rincões do sertão, na perspectiva de resgatar histórias perdidas pelo tempo
relacionadas às pessoas que efetivamente vivenciaram aquela época de sangue e pó.
O descobridor de cangaceiros sobreviventes, coiteiros, volantes e adjacentes, o
famoso “João das meninas” (apelido carinhoso em alusão ao amor que tinha às
velhas cangaceiras, fruto das suas descobertas, com destaque para as saudosas
Durvinha e Aristéia) nos dá aquela sensação de vivermos uma verdadeira lição de
vida, pois sentimos no âmago que a partir de então tais pessoas passaram a
fazer parte da sua vida, da sua família. O carinho e a dedicação que este
pesquisador tinha para com Durvinha e Aristéia, e continua tendo ainda para com
os seus familiares é algo que emociona o mais cético dos seres humanos.
Mas não somente este historiador
resgata e trás à tona pessoas até então desaparecidas, esquecidas ou perdidas
no tempo, mas também melhor escarafuncha os costumes e façanhas desse sofrido
povo de outrora que por falta de opção via na política oligárquica
latifundiária uma inspiração de felicidade, bem como, na religião, no folclore,
na valentia e na vingança, os fundamentos da honra e da moral. O sertanejo da
época era antes de tudo um verdadeiro herói, pois vivia o terror da seca, as
vontades dos “coronéis”, as atrocidades do cangaço e pior ainda, a violência
oficializada das policias volantes, equivalente e por vezes até pior do que a
empregada pelos bandoleiros. Coronéis, cangaceiros e volantes tinham o poder da
vida e da morte, o poder da vida e da morte daquele povo que se confundia com o
gado, “povo marcado, povo feliz” como bem diz o poeta Zé Ramalho na sua canção
“Vida de Gado”.
Todo bom nordestino sente que a “indústria da seca”, tem sido o modelo
utilizado pelos políticos há décadas nos nossos sertões, cujos atos de
corrupção tem como causa a incompetência, a leniência e o descaso de
autoridades diversas, principalmente do governo federal, que diante dos
desmandos e desvios de verbas públicas e ou a sua utilização para servir de
moeda de troca eleitoral em prol de políticos inescrupulosos, tem ceifado vida
de crianças, adultos, idosos e animais,
sendo a principal causa do êxodo rural, transformando os centros urbanos em verdadeiras
favelas, pelo inchaço causado. Por vezes, por falta absoluta de opção, bravos
sertanejos de outrora terminam entrando no mundo da criminalidade nos morros do
tráfico dos grandes centros.
Voltando ao tema central é visto
a olhos nu que a contribuição histórica de João de Sousa Lima nos enche de
orgulho. Orgulho de ver a cada semana no seu blog as suas novas descobertas,
orgulho ver nos seus escritos, nos seus artigos, nos seus textos, nos seus
livros todo relato que enfatiza, sobretudo, a vida do sertão, a luta do cangaço
e o modus operandi das autoridades
estatais no combate ao banditismo proporcionando instigantes racontos que,
embora reais, se misturam com o folclore pluralista, típico da melhor
imaginação do nosso sertanejo.
Misto de escritor, professor,
pesquisador, estudioso, investigador, colecionador, cineasta, ator e também
empreendedor, João de Sousa Lima, consegue transmitir nas suas escritas e nas
suas descobertas o entusiasmo e o gênio que se fazem necessários a todo bom
historiador, e o melhor, nada esconde do seu público.
Detentor de grande capacidade
criativa, interpretativa e de inteligência aguçada que alia teoria com operacionalidade,
principalmente na área investigativa, João de Sousa Lima, também se imortaliza
e nos dá de presente as suas diversas e importantes entrevistas com
remanescentes do cangaço e afins.
A contextura do incansável
trabalho de João de Sousa Lima traz à baila discussões oportunas, pertinentes e
necessárias, visto ser patente que intrinsecamente e simetricamente ele assenta
nos pontos de apoio à verdadeira história, sem mentiras, invencionices ou extravagâncias.
A busca da verdade pela verdade é o seu lema.
Seguir investigando sertão adentro,
nas terras áridas, principalmente na região do Raso da Catarina, no rastro das
alpercatas de Virgulino Ferreira da Silva, o poderoso Lampião, nos caminhos
espinhentos do sanguinário cangaceiro Gato, oriundo da tribo indígena Pankararé
e de tantos outros cangaceiros que arrodearam as paragens de Paulo Afonso e adjacências
é sem dúvida reviver um tempo de verdadeiros cabras-machos e isso o nosso
rastreador do cangaço bem sabe ser e fazer com maestria.
É
patente, outrossim, no seu trabalho que João de Sousa Lima bem sabe enaltecer a
forte mulher sertaneja
que sem dúvida gerou uma grande referência em toda sociedade da época e deixou
registrada sua passagem também nas veredas do cangaço. Todas elas tiveram
grande importância no contexto histórico desse tempo. Concordo em número e grau
com a opinião de que as mulheres cangaceiras vieram aplacar a fúria assassina e
o desejo disforme dos seus companheiros que tanto feriram e humilharam as
famílias nordestinas. Com a chegada e a permanência feminina no bando, os
cangaceiros adquiriram mais respeito para com as indefesas caboclas sertanejas.
Os estupros, antes presentes em quase todas as investidas criminosas, com a
chegada das mulheres ao cangaço, praticamente deixaram de ocorrer.
Nesse rito feminino
aprendi com os seus ensinamentos que entre as mais famosas cangaceiras que
saíram da região de Paulo Afonso, estão: Maria
Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, do povoado Malhada da Caiçara; Lídia
Pereira de Souza, do Povoado Salgadinho (citada por todos os cangaceiros
sobreviventes como sendo a mais bela de todas as cangaceiras. Assassinada
covarde e brutalmente a pauladas pelo seu companheiro Zé Baiano em decorrência
de uma traição amorosa); Nenê (a carinhosa Nenê, companheira de Luis Pedro), também
do povoado Salgadinho; Otília Maria de Jesus (Otília, companheira de Mariano),
do povoado Poços; Inácia Maria das Dores (Inacinha, companheira do feroz
cangaceiro Gato, por sinal ambos índios da tribo Pankararé), do Brejo do Burgo;
Catarina Maria da Conceição (Catarina, companheira do cangaceiro Nevoeiro,
também um índia da tribo Pankararé), igualmente do Brejo do Burgo; Durvalina
Gomes de Sá, (Durvinha, companheira apaixonada pelo cangaceiro Virgínio e após
a morte deste, eterna mulher do cangaceiro Moreno), nascida no povoado
Arrasta-Pé.
É assim que vejo o trabalho e a
trajetória do amigo João de Sousa Lima, um sertanejo de fibra, um pesquisador
nato, um destacado escritor, um amante da nossa cultura que a despeito de todo
bom e verdadeiro nordestino também cultua o fã clube do grande e imortal Luiz
Gonzaga, o nosso símbolo maior, o ser que conseguiu sintetizar os anseios
incontidos de um povo através da cadência que intercala os sons da sanfona, do triângulo
e da zabumba expressando o mais refinado circuito musical então existente na
nossa história.
Privar da amizade de João de
Sousa Lima é um privilégio que enriquece positivamente as relações de qualquer
ser humano. João de Sousa Lima, além de tudo, sem dúvida alguma, é um cidadão possuidor
de grandes virtudes, as quais se encontram indissociavelmente vinculadas ao
código de honra de um povo forte, o povo sertanejo e nordestino que tanto nos
orgulha.
Aracaju, 30 de setembro de 2013.
Archimedes
Marques.
Delegado
de polícia em Sergipe, pesquisador, escritor e colecionador do cangaço.
Conselheiro do Cariri Cangaço
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