NAS TRILHAS DO CANGAÇO EM PAULO AFONSO, CAMINHOS DO POVOADO SANTO ANTÔNIO.
.1928, Povoado Poços, Paulo
Afonso, Bahia, o dia amanhece abafado, prenúncio de forte calor.
... Manuel Teixeira Hora “Manuel
Mariano”, antes mesmo de o dia clarear já se encontrava na lida diária,
manejando ferramentas no trato da terra para futuro plantio de lavouras, pastos
em frente a sua casa. Aos seus pés descansava seu cachorro que por seu grande
porte era chamado “Gigante”.
De repente o cão arisco
levantou as orelhas e um forte barulho de cascos de animais rasgando veredas quebrou
o silêncio da manhã quente. Alguns cavalos e burros romperam a mataria quase
fechada. Era Lampião e seu grupo. Entre os cangaceiros estavam Mariano, Luiz
Pedro, Ezequiel e Virgínio.
Guiando a tropa vinha um
jovem conhecido de Manuel Mariano, era Zé, filho de Cassiano, morador do Povoado
Macambira. Diante daqueles cavaleiros reluzentes Manuel ficou pasmo, dividido
entre o mistério, o medo e a curiosidade.
Gigante instigado pela
presença desconhecida eriçou os pelos e partiu em direção a outro cachorro que
vinha acompanhando o grupo. As feras irracionais travaram um sangrento combate.
Manuel partiu para apartar a briga e de cima de uma das montarias uma voz firme
soou:
- Num aparte não!
Todos assistiram por alguns
minutos os enfurecidos cães, feras de instintos selvagens, cravarem seus
afiados caninos no couro do oponente. De cima das montarias formavam-se
torcidas vibrantes. Mais alguns minutos e o cansaço era visível entre as
brutais feras que sangravam. Gigante mantinha uma posição dominante sobre o
outro cão que se debatia tentando escapar. O cangaceiro que chefiava o grupo
ordenou que dois de seus cabras apartassem a briga.
Do alpendre da casa o garoto
Argemiro e sua mãe assistiram toda a movimentação. Os cavalos e burros foram
amarrados no frondoso tronco de um tamarindeiro e Lampião e Manuel Mariano
foram sentar-se em um banco de madeira que ficava no alpendre da casa. Depois da
conversa foram almoçar. Arroz, leite e carne foram servidos.
Depois do grupo alimentado e
um breve descanso Lampião pagou a comida e se despediu do seu mais novo amigo. O
garoto Argemiro foi presenteado com uma moeda de prata de 2.000 réis. Lampião
voltaria e almoçaria mais três vezes na casa de Manuel Mariano. Lampião e
Manuel almoçavam na cozinha, sentados à mesa e o restante do grupo sempre fazia
as refeições no alpendre e no terreiro da casa, com alguns homens vigiando as
veredas que davam acesso a fazenda.
Lampião solicitou um dos
cavalos de Manuel Mariano e já montados e preparados para a viagem deu os
parabéns para o cachorro do amigo e fez uma proposta:
- Qué vendê o cachorro?
- não! Eu já to acostumado
com ele!
Lampião disfarçou a resposta
negativa com uma forte gargalhada e partiu rasgando as finas veredas que o
levaria até Jeremoabo.
Dias depois um dos coiteiros
de Lampião trouxe o cavalo e o devolveu a Manuel Mariano.
Ontem, dia 13 de dezembro de 2017, eu,
Ricardo Cajá e Sandro Lee, estivemos no povoado Santo Antônio entrevistando o
senhor Argemiro, que mesmo com seus mais de noventa anos ainda é lúcido e gosta
de contar suas lembranças da época do cangaço.
Meu primeiro livro lançado
em 2003, Lampião em Paulo Afonso, narra essa passagem do cangaço e seu Argemiro
ainda guarda um exemplar que o presenteei há 14 anos.
A moeda de prata que por
tanto tempo seu Argemiro guardou, assim como a mesa onde Lampião almoçou
algumas vezes, me foram presenteadas.
Nas lembranças de Argemiro
ficaram eternizadas as cenas dos cachorros, e as veredas seguidas pelos
cangaceiros na direção do infinito desconhecido, levantando poeira e
turvando os caminhos do enigmático
sertão.
João de Sousa Lima
Paulo Afonso, Bahia
13 de dezembro de 2017
PARA SABER MAIS:
LAMPIÃO EM PAULO AFONSO
75-988074138
Ótimo trabalho, vocês estão de parabéns!
ResponderExcluir👏👏👏👏👏👏👏