quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

NAS TRILHAS DO CANGAÇO EM PAULO AFONSO, CAMINHOS DO POVOADO SANTO ANTÔNIO




NAS TRILHAS DO CANGAÇO EM PAULO AFONSO, CAMINHOS DO POVOADO SANTO ANTÔNIO.
   

.1928, Povoado Poços, Paulo Afonso, Bahia, o dia amanhece abafado, prenúncio de forte calor.
... Manuel Teixeira Hora “Manuel Mariano”, antes mesmo de o dia clarear já se encontrava na lida diária, manejando ferramentas no trato da terra para futuro plantio de lavouras, pastos em frente a sua casa. Aos seus pés descansava seu cachorro que por seu grande porte era chamado “Gigante”.
De repente o cão arisco levantou as orelhas e um forte barulho de cascos de animais rasgando veredas quebrou o silêncio da manhã quente. Alguns cavalos e burros romperam a mataria quase fechada. Era Lampião e seu grupo. Entre os cangaceiros estavam Mariano, Luiz Pedro, Ezequiel e Virgínio.
Guiando a tropa vinha um jovem conhecido de Manuel Mariano, era Zé, filho de Cassiano, morador do Povoado Macambira. Diante daqueles cavaleiros reluzentes Manuel ficou pasmo, dividido entre o mistério, o medo e a curiosidade.
Gigante instigado pela presença desconhecida eriçou os pelos e partiu em direção a outro cachorro que vinha acompanhando o grupo. As feras irracionais travaram um sangrento combate. Manuel partiu para apartar a briga e de cima de uma das montarias uma voz firme soou:
- Num aparte não!
Todos assistiram por alguns minutos os enfurecidos cães, feras de instintos selvagens, cravarem seus afiados caninos no couro do oponente. De cima das montarias formavam-se torcidas vibrantes. Mais alguns minutos e o cansaço era visível entre as brutais feras que sangravam. Gigante mantinha uma posição dominante sobre o outro cão que se debatia tentando escapar. O cangaceiro que chefiava o grupo ordenou que dois de seus cabras apartassem a briga.
Do alpendre da casa o garoto Argemiro e sua mãe assistiram toda a movimentação. Os cavalos e burros foram amarrados no frondoso tronco de um tamarindeiro e Lampião e Manuel Mariano foram sentar-se em um banco de madeira que ficava no alpendre da casa. Depois da conversa foram almoçar. Arroz, leite e carne foram servidos.
Depois do grupo alimentado e um breve descanso Lampião pagou a comida e se despediu do seu mais novo amigo. O garoto Argemiro foi presenteado com uma moeda de prata de 2.000 réis. Lampião voltaria e almoçaria mais três vezes na casa de Manuel Mariano. Lampião e Manuel almoçavam na cozinha, sentados à mesa e o restante do grupo sempre fazia as refeições no alpendre e no terreiro da casa, com alguns homens vigiando as veredas que davam acesso a fazenda.
Lampião solicitou um dos cavalos de Manuel Mariano e já montados e preparados para a viagem deu os parabéns para o cachorro do amigo e fez uma proposta:
- Qué vendê o cachorro?
- não! Eu já to acostumado com ele!
Lampião disfarçou a resposta negativa com uma forte gargalhada e partiu rasgando as finas veredas que o levaria até Jeremoabo.
Dias depois um dos coiteiros de Lampião trouxe o cavalo e o devolveu a Manuel Mariano.
    Ontem, dia 13 de dezembro de 2017, eu, Ricardo Cajá e Sandro Lee, estivemos no povoado Santo Antônio entrevistando o senhor Argemiro, que mesmo com seus mais de noventa anos ainda é lúcido e gosta de contar suas lembranças da época do cangaço.
Meu primeiro livro lançado em 2003, Lampião em Paulo Afonso, narra essa passagem do cangaço e seu Argemiro ainda guarda um exemplar que o presenteei há 14 anos.
A moeda de prata que por tanto tempo seu Argemiro guardou, assim como a mesa onde Lampião almoçou algumas vezes, me foram presenteadas.

Nas lembranças de Argemiro ficaram eternizadas as cenas dos cachorros, e as veredas seguidas pelos cangaceiros na direção do infinito desconhecido, levantando poeira e turvando  os caminhos do enigmático sertão.

João de Sousa Lima
Paulo Afonso, Bahia
13 de dezembro de 2017


PARA SABER MAIS:
LAMPIÃO EM PAULO AFONSO
75-988074138


















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