terça-feira, 5 de janeiro de 2010

João de Sousa Lima e o tesouro do cangaço

O BAÚ DE DONA BALÓ, A MÃE DA CANGACEIRA LÍDIA


 


 

    O povoado Salgadinho, em Paulo Afonso, Bahia, situado nas margens da exuberante Serra do Padre, rendeu-se aos encantos sublimes da mais deslumbrante flor germinada em seus campos: a belíssima Lídia Pereira de Souza. Uma formosa morena de traços perfeitos e sedutores e curvas delineadamente sensuais.

    Lídia Pereira de Souza viria um dia a se tornar a bela cangaceira Lídia, de Zé Baiano.

    Lídia era filha do modesto casal Luís Pereira de Souza e Maria Rosa Figueiredo, conhecida pela alcunha de Dona Baló, uma exímia rendeira e costureira.

    O Salgadinho por ser um dos lugares percorridos pelo Rei do Cangaço e seus seguidores, na época em que as andanças do capitão Virgolino atingiu seu apogeu em terras baianas, me foi bastante informativo enquanto eu realizava pesquisas para o livro: Lampião em Paulo Afonso. Por dezenas de vezes estive naquela localidade, registrando as histórias contadas pelos velhos remanescentes da luta cangaceira e neste período, uma das coisas que mais despertou minha atenção foi conhecer a casa onde nasceu a bela cangaceira Lídia, de Zé Baiano. Contra todas as possibilidades e intempéries geradas pelo tempo, a casa teimava em continuar erguida, mesmo estando assombrosamente carcomida pelos cupins, resistia imponente e enigmática.

    Muitos estudiosos do tema cangaço estiveram comigo visitando a velha moradia da mais linda das cangaceiras. Em uma das minhas últimas visitas fui lá sozinho e sem pressa pude apreciar cada canto, cada forma e cada fresta do velho casebre. Em um dos quartos, por uma das rachaduras da parede, divisei, entre centenas de casas de marimbondos, um antigo baú e dividindo o frestal com os morcegos, estava uma velha lamparina. Como é que tinha passado despercebido por tantas vezes estes velhos objetos? Enquanto no meu silêncio apreciava aquelas relíquias, senti a presença de alguém que se aproximava e despertei com a voz de uma senhora que me trazia a realidade: era dona Nilda, sobrinha da cangaceira Lídia. Nilda é a guardiã da velha casa. Conversamos por alguns minutos e com o consentimento de dona Nilda, acertamos de resgatar todo o material existente naquele cubículo, onde me caberia algumas peças, tarefa não tão fácil, pela dificuldade de transpor a barreira de centenas de vespas com seus ardentes e venenosos ferrões.

    Em Paulo Afonso me preparei adquirindo equipamentos de proteção para usar e que pudessem me proteger no resgate do tesouro de dona Baló.    No dia 15 de maio de 2005, uma manhã de domingo de nuvens negras e ameaçadoras, embarquei com o velho amigo Ivan Caetano, um aposentado mecânico de aeronaves e que durante muito tempo dedicou sua especializada mão-de-obra ao setor de aviação da CHESF. Seguimos viagem, eu, Ivan e sua esposa Leonídia, na boleia da antiga e inseparável "TRUBANA", uma F -1000, vermelha, que Ivan possui há muito tempo.

    No segundo percurso, de aproximadamente 12 quilômetros, sendo a maior parte em estrada de chão, podemos observar os estragos feitos pela chuva que há dias castigava este pedaço de chão. Aos solavancos e pelas mãos firmes do estimado amigo, chegamos ao povoado Salgadinho. Descemos entre poças de lamas e riachos de águas correntes, bem na frente da casa da cangaceira Lídia e lateral às casas de dona Nilda e Sinhozinho. O verdadeiro nome de Sinhozinho é José Luís Pereira e é o único irmão vivo da cangaceira.

    Por alguns minutos conversamos com dona Nilda e depois seguimos na direção da casa de Sinhozinho, onde pudemos saborear uma docíssima melancia, sob a fresca aragem de um frondoso umbuzeiro. Depois da melancia, nos preparamos para a árdua tarefa. Coloquei o apropriado macacão, botas, luvas e um chapéu com uma rede de nylon.

    Seguimos, eu e o Ivan, até a parte traseira da casa, local que dava um melhor acesso para entrarmos no quarto, onde se encontrava o baú e a lamparina. O Ivan se encarregava de encher dois vasilhames com querosene e eu saía alvejando o mortífero líquido nas casas das ariscas vespas, que aos montes atacavam tentando ferroar-me, sem sucesso.

    Enquanto centenas de maribondos voavam desnorteados, eu vasculhava os recantos semi-escuros daquele pavimento. Na verdade, lá dentro, existiam três baús. Um deles, o mais bonito de todos, mesmo sendo recoberto por couro, desintegrou-se quando eu o toquei, tentando arrastá-lo para fora e, de dentro do baú, saíram centenas de abelhas pretas que em vão tentavam picar-me para protegerem uma já esfarelada colméia. Peguei o baú que se encontrava em perfeito estado e dentro encontrei algumas velhas e carcomidas peças de roupa, carretéis de linhas, velhas notas de dinheiro, valendo um, dois, dez, vinte e cinquenta cruzeiros. Deixei o perfeito baú aos cuidados do amigo Ivan e retornei para vasculhar a velha armação de um desintegrado caixote. No meio das tábuas mofadas e da areia, encontrei coisas mais interessantes, tais como: duas grandes moedas do tempo do Império, datadas de 1831 e que trazem estampadas o numeral 40, dois tinteiros de nanquim, dois punhais, sendo um de 0,35 centímetro e um menor e mais belo, medindo 0,23/2 centímetros trazendo na folha de aço, o nome FAVORITA KOCK e C° KOLM, ST e C, uma mecha de cabelos presa por uma trabalhada peça de ouro, um chicote de couro, um canivete, dois vidros antigos de perfume, duas esporas, uma casca de bala com as iniciais FEAG e datada de 1921, vários botões de tamanhos variados, um dedal, 04 chaves de portas, várias fivelas, um pequeno recipiente de alumínio feito para guardar agulhas, uma peça para perfurar couro, vários carretéis de madeira (escrito em alguns: LINHA BISPO, GLACÊ E ÔLHO), uma almotolia para lubrificar máquina, dois fusos, um vazador de fabricação artesanal, uma moeda de 100 réis, datada de 1928.

    Das paredes de taipa resgatei a velha lamparina e algumas imagens de santos, estas acabaram ficando com Sinhozinho. Esse era o tesouro de dona Baló, mãe de cangaceira Lídia. Dentro de três velhos baús, peças da época do cangaço se misturavam com outras coisas mais recentes e acabaram despertando o meu lado garimpeiro das coisas do passado.

    Saímos do povoado Salgadinho, já com o horário do almoço ultrapassado e sem que antes saboreássemos outra melancia, oferecida desta vez, pelas mãos de dona Nilda.

    No horizonte, negras nuvens caminhavam cercando o antigo povoado. Despedimos-nos e retornamos dando uma parada no povoado Açude, mais precisamente no bar do Bilinho, onde comemos uma deliciosa galinha de capoeira e o tradicional bode assado.

    O verdadeiro tesouro que encontrei naquela nublada manhã de domingo, estava no doce sabor da melancia, nas pisadas nos riachos de águas correntes, nos esporádicos pingos de chuva que nos encharcavam e na alegria do sorriso do meu querido casal de amigos.


 


 


 


 


 

João de Sousa Lima

(Escritor e historiador)

Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Paulo Afonso

Membro da BESC e da Academia de Letras de Paulo Afonso

3 comentários:

  1. Amigo João de Sousa Lima: Desde o ano de 2008,que me enteressei pela literatura lampiônica. Vi muito dos seus esritos fantásticos, mas até hoje não conseguir ver uma foto da cangaceira Lídia Pereira de Sousa. Será que ela não deixou fotos, ou há uma privacidade sobre ela? José Mendes Pereira - Mossoró - Rio Grande do Norte.

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  2. Amigo João de Sousa Lima: Assim como Jotabê Medeiros, contou a história da cabra e do sal, também tenho uma para lhe contar: Esta eu escutei quando eu ainda era criança, contada pela minha avó Herculana Maria da Conceição (Mãenanana), que nasceu no final da década de 1890. Certo dia, dizia Mãenanana, Lampião e seu bando se encontravam arranchados bem próximos a um rio no Estado de Sergipe. E por ironia do destino, um senhor chamado Lauriano, que andava procurando caças para alimentar os seus filhos, saiu no local onde se encontrava o bando. Logo os cangaceiros o rodearam e começaram as suas humilhações contra ele. Cuspiram e surraram o infeliz. Lampião apenas observava. E em seguida disse: -É mió ixecutá-lo, do qui ficarim maltratando um home qui ainda nada fêz cronta nóis. E apoderando-se do seu rifle, mandou que o colocassem em posição de execução. O homem ajoelhou-se dizendo-lhe: -Senhor, pelo amor de Deus não me mate! Eu deixei em casa três filhinhos pequenos para criar, e minha esposa é paralítica dentro de uma rede, sem condições de terminar de criá-los. Sem eu, eles vão morrer de fome senhor!Lampião condoeu-se da história do homem e lhe disse: -Eu lhi faço um disafi cabra! Si ocê tivé sorte, num vai morrê... Tá vendo aquela catinguera? -Estou sim senhor! -Ocê vai andando até a catinguera. Conde si impariá cum ela, corra, qui a partir daí é qui eu cumeço a atirá. Num corra ante pruque eu atiro e ocê morre logo. Pela proposta feita ao pobre infeliz, Lampião não tinha intenções de matá-lo. O seu desejo era que ele escapasse das balas e fosse criar os seus filhinhos, já que não havia motivo para executá-lo. O homem conhecia bem a região. Da catingueira até ao rio, tinha uma ladeira. Mas quando ele se emparelhou à catingueira, em vez de correr, deitou-se e saiu rolando em direção ao rio. Lampião saiu correndo e atirando para cima. Mas o homem caiu dentro dágua, submergiu e adeus Lampião!- Mas que cabra inteligente! Pegou-me de chei. Disse Lampião. José Mendes Pereira - Mossoró- Rio Grande do Norte.

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  3. Amigo escritor João de Sousa Lima:
    Gostaria que o notável escritor me informasse: Quem é o cangaceiro que está ao lado esquerdo de Maria Bonita. Texto:quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
    João de Sousa Lima publica texto onde o professor José Romero Cardoso, cita a o valor da médica e humanista Zilda Arns
    Zilda Arns Neumann: O mundo perde uma grande lutadora das causas justas da humanidade
    José Mendes Pereira - Mossoró - Rio Grande do Norte.

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