sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Os filhos do Rei do cangaço, por João de Sousa Lima


 


 

OS FILHOS DO REI DO CANGAÇO.


 

Enigmático é o mundo do cangaço, ainda mais pela forma e o tempo de seus participantes resguardarem seus acontecimentos. Os últimos remanescentes, só agora, quando beirando os cem anos de idade, estão revelando seus segredos. Por longos anos, os fatos vivenciados foram trancados nos baús do esquecimento e lacrados com a chave da fidelidade da palavra empenhada. O tempo cuidou de reparar as falhas do passado e se fazer sentir a urgência de registrar seus marcantes episódios. Grande prejuízo para a história recente do nosso país, seria a perca dos relatos desses homens e dessas mulheres que viveram nas Caatingas, as conseqüências de uma luta ainda tão marcante para nosso povo do Sertão Nordestino.

Misteriosa obediência ao segredo carrega o Sertanejo, como se fosse parte inseparável o segredo e a honra. Alicerço-me no depoimento de Firmina Maria da Conceição, "Dona Cabocla", cozinheira e lavadeira do bando de Lampião, que prestes a completar 102 anos de idade, no próximo mês de maio, lamentou ter me contado sua vivência com o Rei do Cangaço, se arrependendo de ter relatado sua relação dos préstimos de serviços ao cangaceiro, achando que mesmo hoje, o segredo deveria ter ficado guardado, só o confidenciando por insistência da filha Maria. Por tamanha devoção e fidelidade cresceu minha admiração e respeito a essa mulher que é hoje parte da nossa história recente. É este um dos mais sinceros e puros exemplos de lealdade.

Por ser Lampião a figura central do cangaço, sendo o maior expoente desse capítulo da história, o estudo referente ao tema tem recaído sua maior parte sob seus rastros. Diante do mínimo vestígio de fundamento, nós nos defrontamos com a questão inevitável de transmiti-la. Os caminhos trilhados buscam os fatos inéditos, seguindo uma infindável legião de admiradores e estudiosos ávidos a alcançarem os novos achados em busca deles tenho me dedicado a longos dez anos de uma extensa pesquisa. Dentre os fatos mais marcantes conseguido neste longo trajeto, foi a descoberta de um filho de Lampião e Maria Bonita. Das quatro gestações da Cangaceira, sabíamos apenas sobre Expedita Ferreira da Silva, ainda viva e residindo em Aracaju. Quando comecei a escrever o livro: "A Trajetória Guerreira de Maria Bonita, A Rainha do Cangaço", sempre que perguntava aos meus entrevistados detalhes sobre os gêmeos Arlindo e Ananias, irmãos de Maria Bonita, ou obtinha o silêncio por resposta ou escutava um curto e desafiador resmungar: Ananias não é irmão de Maria Bonita não!

Tive que me desdobrar para conseguir alguém que me explicasse mais abertamente essa afirmativa. Durante dias busquei os informes dos familiares e amigos que conviveram com Maria Bonita nos conturbados dias do cangaço. Um dos primos de Maria, um senhor chamado Manuel Maria dos Santos, apelidado por "Seu Nequinho", um ex-barqueiro acostumado atravessar, junto com o pai, os cangaceiros que cruzavam o milenar Rio São Francisco, foi o primeiro a confidenciar: Ananias é filho de Lampião e Maria Bonita! Aqui todo mundo sempre soube desse segredo, agora que na época de Lampião quem era doido de andar com uma conversa dessa!

Seu Nequinho ainda indicou mais algumas fontes que poderiam atestar o que ele estava dizendo e fui buscar a comprovação. Dentre as pessoas que fizeram seus relatos (e os tenho todos filmados para futuras comprovações) pode-se encontrar Servina Oliveira de Sá (prima de Maria Bonita), Eribaldo Ferreira Oliveira (sobrinho de Maria Bonita), os irmãos Osvaldo, Olindina e Maria Martins de Sá (primos de Maria Bonita), Firmino Martins de Sá (foi casado com a prima e melhor amiga de Maria Bonita: Maria Rodrigues de Sá), estes são alguns dos que confirmaram a história que se segue:

Dona Maria Joaquina Conceição Oliveira, "Dona Déa", mãe da Rainha do Cangaço, estava grávida e por coincidência Maria Bonita havia engravidado quase que na mesma época. Por questão de aproximadamente dois dias, as duas mulheres viram nascer seus rebentos. Mãe e filha gerando vidas e fazendo crescer sua descendência.

Pelas dificuldades impostas pela luta travada nas caatingas, onde cangaceiro vivia permanentemente em fuga, lutando contra as perseguições da polícia, filho era um entrave, levando perigo aos componentes do grupo e sofrendo as conseqüências da vida atribulada. Os filhos nascidos no cangaço, sempre iam cair nos braços de alguma autoridade política ou religiosa e às vezes enviados aos simples catingueiros, quando dotados da extrema confiança do cangaceiro. Duro castigo para as mães que tinham que ver seus filhos serem criados por outras pessoas.

Maria Bonita dera a luz, Lampião arquitetou deixar o filho com a sogra, para que ela criasse as crianças como se fossem gêmeas e assim aconteceu. O filho de Dona Déa ganhou o nome de Arlindo Gomes de Oliveira e o filho de Lampião e Maria Bonita foi batizado como Ananias Gomes Oliveira. O Ananias ainda esta vivo, residindo em São Paulo, o Arlindo faleceu recentemente. Era fácil observar as diferenças entre os irmãos: Arlindo era baixo e claro, Ananias é alto e moreno, ganhando por sua cor escura, o apelido de "Pretão".

Dos depoimentos que se tem registro daquela época, o mais contundente é o deixado por José Mutti, major reformado do exército, que foi casado com Antonia Oliveira (irmã de Maria Bonita) e que escreveu o livro: Reminiscências de um ex-comandante de volante, que retrata com detalhes sobre a descoberta desse segredo, vejam a parte do capitulo que trata do mistério: "... ao chegar nos Picos do Tará, encontrei meus sogros arranchados numa frondosa quixabeira. Mandei construir dois quartos pra eles. encontrei duas crianças de dois anos cada. Tendo perguntado de quem eram filhos, dona Déa disse-me que eram mabaços (gêmeos) e eram seus filhos. As crianças eram completamente diferentes. O Arlindo sim, era parecido com a família, mais o Ananias era trigueiro (moreno escuro), não podia ser do mesmo casal José Filipe e Déa. Deu-me o estalo de "Vieira" será o Ananias, filho de Lampião e Maria. Comecei a perseguir a sogra:"Dona Déa, diga-me quem é o pai de Ananias, o Ananias não é filho da senhora e do José Filipe. Se a senhora disser de quem é filho o pretão (apelido do Ananias) eu guardo segredo até a morte. "Tanto persegui minha sogra para saber quem era o pai de Pretão, que um dia ela me disse "O Pretão é filho do homem" (a família de Maria Bonita tratava Lampião de "O HOMEM"), fiquei satisfeito e não falei mais no assunto".

Ai está desvendado mais um dos mistérios do cangaço e para registro histórico, vale salientar que Ananias concordou fazer o exame de DNA, sendo coletado sangue de dona Mocinha (irmã de lampião), de Arlindo (o irmão que se diz gêmeo) e do irmão Ozéas Gomes. O exame anda em sendo movido por meios judiciais uma vez que a Expedita e a Vera Ferreira (filha e neta de Lampião e Maria Bonita) se negaram a fazer os exames.

Outro caso que foi bastante difundido foi o caso de João Peitudo, outro suposto filho dos Reis do Cangaço, mais um que tentou em vão se aproximar da família e não obteve resultados.

Continuando no campo da pesquisa histórica, vasculhando as fontes que trazem alguma ligação com o cangaço, acabo de descobrir outro filho de Lampião, na cidade de Chorrochó, Bahia. Ele é família dos famosos "Engrácias", as primeiras pessoas que mantiveram contato com Lampião quando ele entrou no estado da Bahia, tendo vários membros dessa família seguido os cangaceiros. Alguns se tornaram famosos, como: Cirilo de Engrácia, Antônio de Engrácia, Zé Sereno, Zé Baiano, Arvoredo e Corisco.

Da família dos "Engrácias" um dos grandes coiteiros de Lampião nessa região foi João Ramos de Souza, conhecido por todos como Joãozinho. Entre as filhas desse coiteiro Lampião se engraçou da jovem Helena e com ela teve um caso, poucos dias depois a menina-moça apareceu grávida e O Rei do Cangaço para resguardar a honra da jovem e não desmoralizar a família que tanto lhe dava guarida, tomou uma rápida e sábia decisão: Pagou uma alta quantia a um rapaz, Simão Alves dos Santos, para que ele casasse com Helena e assumisse a paternidade do filho do cangaceiro. Simão topou o acordo e assim foi feito, nascendo a criança no dia 13 de agosto de 1930, sendo batizada com o nome de José Alves dos Santos. O parto foi realizado por dona Lídia, mãe do cangaceiro Zé Sereno. Durante muito tempo as conversas sobre esse caso foram mantidas em segredo, temendo a população que Lampião fosse sabedor que a conversa havia se espalhado. Quando Lampião morreu e o cangaço se extinguiu as brincadeiras começaram a surgir e os amigos de José Alves sempre o perturbavam relacionando-o como filho de Lampião. Os comentários tornaram-se freqüentes e as pessoas de mais idade sempre tocavam no assunto.

José Alves dos Santos ainda encontra-se vivo e residindo em Chorrochó, nas mesmas terras onde seus pais o criaram, estive recentemente com ele onde realizei extensa entrevista e ele concordou em fazer um exame de DNA para realmente comprovar o que os fatos indicam. Os testes estão em andamento e só o tempo dirá se ele é realmente mais um filho gerado nas caatingas do Sertão Nordestino, mais um rebento descendente de Lampião, mais um fruto evidenciado de um farto capítulo da nossa história recente, a história do Cangaço, capítulo ainda tão latente, tão presente nos carrascais do nosso povo do Sertão.


 

João de Sousa Lima.

Escritor e pesquisador, membro da SBEC-Sociedade de Estudos do Cangaço, membro da Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Paulo Afonso.


 

25 de novembro de 2008

6 comentários:

  1. Gostei do artigo, ouvi dizer por alto, que eu poderia ser um bisneto de Maria Bonita ("de um casamento frustrado" de acordo a wikipédia), se tivesse condições financeira, estudaria sobre o assunto.

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  2. Caro Claudilson,

    Segundo consta, Maria Bonita somente foi casada com Ze Nenem antes de Lampião, e ele era estéril.

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  3. Minha vó dizia a minha mãe, que sua mãe(minha bisavó) era prima de Maria Bonita.
    Sempre achei estranho, pq a Familia é do Rio Grande do Norte. Sabe se há alguem que foi ou é deste Estado?

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  4. Gostei muito do artigo.
    Meu nome é Ana Paula de Moraes Cordeiro, sou Educadora na rede pública de ensino do município de São Paulo. Atualmente estou dando expediente na Biblioterca, Rachel de Queiroz, do Centro Unificado Educacional Alvarenga (CEU ALVARENGA).
    Uso a leitura e a escrita como meio canalizador de minhas emoções. Farei no próximo dia 26 de Março uma participação no Sarau que será realizado no Teatro Nelson Rodrigues situado aqui no CEU ALVARENGA. Os Saraus são sempre temáticos e a bola da vez é Maria Bonita, portanto devo elaborar algo a respeito e gostaria que você, se possível, me brindasse com uma sujestão.
    Parabenizo-lhe pelo seu blog que é simplesmente divino e convido-o a visitar o meu.
    www.anapaulademoraescordeiro.blogspot.com

    Abraços,

    Ana Moraes

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  5. Olá, meu nome é Patrícia, sou de Minas Gerais, parabéns gostei muito do artigo. Faço parte de um grupo de teatro aqui em Alfenas (GRUPO MUNDO) e meu sonho e fazer uma peça em que conte a história do cangaço, poderia me indicar fontes confiáveis onde eu possa pesquisar mais sobre o assunto?Meu e-mail é pateatropesqui@yahoo.com.br
    Visite os nossos blogs http://grupomundoalfenas.blogspot.com/
    http://grupomundoalfenas.blogspot.com/
    Desde já agradeço forte abraço.

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  6. Olá! Quero parabeniza-lo pelo trabalho de pesquisa de nossa cultura esquecida Nordestina! Por favor exponha sua entrevista com José Alves dos Santos,filho de lampião será de grande valor para nós!
    Muito Obrigado!!!

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